Pedro deixa nas entrelinhas do seu discurso uma escolha profissional que é veementemente ideológica e alinhada com aquilo que acredita.

“Hoje em dia existem dois críticos mais influentes no mundo: Robert Parker e Jancis Robinson – e esta, quando visitou Portugal e degustou diversos vinhos, escolheu o Vinho de Talha Bojador tinto 2015 como um dos dez vinhos mais importantes portugueses, dentro de um conjunto em que constavam os mais emblemáticos vinhos nacionais.” Este foi o depoimento do enólogo português Pedro Ribeiro, em recente live para brasileiros que compraram seus vinhos da linha Bojador.

O enólogo se disse lisonjeado e confessa que, na prática, isso significou a duplicação de países importadores dos seus vinhos, hoje presente em 28 países. Mas, acima de tudo, ressalta que é um projeto que mostra a sua aderência à filosofia do terroir, pelo qual busca representar não a moderna enologia do Alentejo, mas a reafirmação de uma identidade cultural, pela expressão do território no produto. Sem negar as necessidades comerciais, Pedro deixa nas entrelinhas do seu discurso a impressão de que fez uma escolha profissional que é veementemente ideológica e alinhada com aquilo que acredita, em primeiro lugar.

A live com Pedro veio logo após a realização de uma das minhas Aulas Online de Vinhos (um formato que criei no processo de reinvenção didática em tempos de Covid-19) sobre o tema “Vinhos Orgânicos”. Para realizar essa aula, fiz uma pesquisa trabalhosa do histórico desses vinhos em suas diferentes vertentes e nomenclaturas, me remetendo também a uma reportagem que fiz para a Revista Menu em 2012, quando estudava na França e participei do maior evento mundial de Vinhos Orgânicos – o Millésime Bio. De lá pra cá, muita coisa já aconteceu (inclusive uma pandemia como a atual), mas os números da produção e do consumo de vinhos orgânicos, bem como a afirmação de várias vertentes (Bio, Biodinâmico, 100% Orgânico, Naturais), desde as radicalmente contrárias ao aporte do sulfito no processo de elaboração do vinho (S.A.I.N.S.) ao indicativo de que o vinho é vegano ou que não utiliza derivados animais no processo de produção, como albumina de ovo, caseína (proteína derivada do leite) e gelatina (obtida da cartilagem do peixe).

O mais comum, entretanto, é a garantia da viticultura orgânica, ou seja, vinhedos sem agrotóxicos com a criação de defesas naturais, que requerem três anos de conversão para se tornarem produtivos. A parte da uva até o vinho é a linha que mais divide distintas correntes, já que requer mais dedicação e experiência do vinicultor para conseguir bons resultados gustativos em relação à apreciação da qualidade da crítica especializada (hoje perseguida pelos consumidores) e para fazer um vinho que sobreviva às movimentações que o levam ao mercado global.

Pedro Ribeiro trabalha com orgânicos em suas duas linhas de produtos: Herdade Rocim e Bojador. Neste projeto mais recente, ele busca fazer vinhos mais personalizados e isso inclui a recuperação de cepas tradicionais quase extintas (como Moreto, Tinta Grossa, Rabo de Ovelha) de vinhedos de 50 a 80 anos e que representam a tradição alentejana mais do que o novo Alentejo. Isso inclui, em alguns casos, a pisa a pé em lagar de pedra (segundo ele, o pé extrai compostos da casca mais suavemente e com mais eficácia), em outros a fermentação em talhas (ânforas de barro) junto com as cascas e, de modo geral, o trabalho com leveduras naturais locais (indígenas) e o aporte de, no máximo, 30mg/l de sulfito para vinhos de talha e de 60mg/l para os demais.

As talhas são usadas milenarmente pelas famílias da região, cultura introduzida pelos romanos há mais de 2 mil anos. Para esses vinhos, não há controle de temperatura – a própria porosidade da ânfora regula a temperatura, bem como garante a micro-oxigenação de forma lenta, assim como nas barricas, mas sem intervir nos seus aromas, que permanecem frescos e minerais. Essa baixa intervenção auxilia na composição da estrutura fenólica dos vinhos e favorece a sua longevidade. Os formatos ovais, mais contemporâneos, garantem que as borras fiquem distribuídas de forma mais homogênea no mosto (sem uso da técnica de batônnage) e aportem complexidade aromática aos vinhos.

Os vinhos da linha Bojador, importados pela Wine Lovers, incluem branco, rosé e três tintos (Bojador Tinto, Tinto Reserva e Tinto de Talha). Com valor de R$ 100 e R$ 200, são vinhos com ótima relação preço/qualidade.

Participe das Aulas Online ou presenciais ministradas por Míriam Aguiar. Siga a sua série de podcasts (Vinhos etc.) sobre vinhos disponível em oito plataformas. Instagram: @miriamaguiar.vinhos, e-mail: maguiarvinhos@gmail.com

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