Lágrimas que fazem sorrir e refrescar seus campos ardentes
Na minha visita à Campania, Itália, além da sub-região da Irpinia, tema do último artigo, selecionei áreas bem próximas de Nápoles para visitar, parte do que se intitula Costa Central da Campania, com forte perfil geológico vulcânico.
A 22 km de Nápoles está Pompeia, a cidade romana que foi completamente queimada pelas erupções do Vesúvio em 79 d.C., cujo monte se encontra a cerca de 9 km a leste da capital napolitana. Atualmente adormecido, mas com erupções não tão antigas, ali se encontra a DOC Vesuvio, que forma um círculo de encostas no entorno do vulcão, com altitudes entre 160 m e 400 m. A superfície deste solo é composta por camadas profundas de cinzas vulcânicas e lava pulverizada.
O nome DOC Vesuvio é menos utilizado do que a designação Lacryma Christi, efetivamente mais praticada e com longo histórico de produção. Vinhos tintos e brancos assim denominados são consumidos ali há séculos, muito antes da regulamentação em DOC. Parte de sua popularidade advém do nome sugestivo, que insinua que algo misterioso jaz ali. O nome Lacryma Christi é rodeado de lendas explicativas, como a suposição de que suas terras foram batizadas pelo choro de Jesus Cristo ao constatar a queda de um pedaço do céu no Golfo de Nápoles, quando o anjo Lúcifer foi banido.

O Lacryma Christi Rosso é produzido a partir de um corte que tem a uva Piedirosso como protagonista, podendo ser complementada pela Sciascinoso e pela Aglianico. O Lacryma Christi Bianco tem como principal uva a Coda di Volpe Bianca, podendo ter adição de outras nativas, como Verdeca, Falanghina e Greco. Ambos podem ter versões Superiore e Riserva, e há ainda o Lacryma Christi Spumante e o Lacryma Christi Rosato.
A cepa tinta Piedirosso é nativa da Campania e a mais importante depois da Aglianico. Pode ser encontrada em outras áreas da região, mas se adapta melhor às terras costeiras próximas de Nápoles. Seu nome, Piedirosso, significa “pés vermelhos” em italiano, devido ao caule avermelhado de sua videira. Seus vinhos também apresentam uma cor rubi profunda, normalmente encorpados, mas com taninos suaves, o que, em cortes, pode fazer um contraponto à potência tânica da Aglianico.
A branca que assina os Lacryma Christi brancos é também nativa, mas menos consagrada, aparecendo mais em cortes. Ainda assim, tem um perfil aromático interessante, que vai do cítrico ao tropical e apresenta notas picantes. A acidez natural da Coda di Volpe Bianca é mais baixa, mas é valorizada pelos solos vulcânicos da região.
A outra área visitada chama-se Campi Flegrei, uma zona subestimada, que me foi apresentada pelo especialista em vinhos Mario Trano, napolitano que prometeu me surpreender com os vinhos da Falanghina produzidos ali, uma vez que eu comentei que muitos vinhos dessa cepa servidos em Nápoles não tinham nada de especial. De fato, não só a singularidade de sua expressão naquele território me surpreendeu, como também o lugar em si. Quase como uma extensão de Nápoles, Campi Flegrei (“Campos Ardentes” em italiano) é o nome que se dá a uma enorme cratera vulcânica (uma caldeira submersa), sobre a qual foram construídas muitas vidas, inclusive vinícolas importantes. A região tem tido uma atividade sísmica significativa recentemente, sendo considerada uma área de risco para futuras erupções.
Acho que nunca vi uma área de vinhedos tão metropolitana, que se mistura com os quintais da cidade. As vinhas chegaram ali com os gregos e hoje coexistem com o espaço urbano, muitas vezes apertadas em áreas inclinadas e difíceis de trabalhar. Fomos visitar a Cantina La Sibilla, da família Vicenzo de Meo, produtores há cinco gerações. Apesar da proximidade marítima, o clima ali é mais seco do que no restante da Campania. Há safras que ficam sem chuva por sete meses, e a irrigação é proibida, especialmente porque a área tem vulcões submersos e água salgada, com temperatura de 60 °C.

A grande estrela da produção é a cepa branca Falanghina, hoje uma das uvas mais populares da Campania, que dá origem a vinhos varietais e de corte, bem como a espumantes e vinhos doces. Sua qualidade pode variar muito e só será verdadeiramente experimentada com bons produtores, como o La Sibilla, que trabalha apenas com vinhas de pé franco, uma vez que a região não foi impactada pela filoxera. Predominam vinhos brancos varietais, sem passagem por madeira, que exibem a expressão da uva nesse território: aromas de frutas brancas e tropicais, com notas florais e herbais, num vinho de acidez crocante, valorizada pela salinidade mineral.