Melhor do que beber o Chianti ‘Made in Tuscan’ é ver aquilo que não está ao alcance das lentes.

Toscana é um dos destinos mais cobiçados da Europa. Com um passado cultural exuberante, é na capital da Europa Renascentista, Florença, que se encontram grandiosos acervos das artes clássicas, distribuídos pelas galerias, museus e piazzas. Entre as relíquias culturais toscanas estão os produtos agroalimentares, como o vinho, que ganhou mais vigor ainda com a cobertura internacional da mídia especializada contemporânea: ao verde dos ciprestes, se soma o caldo rubro de muitos vinhos tintos que fazem desta uma das mais renomadas regiões vitivinícolas do mundo.

Com uma topografia bem adequada à vitivinicultura, 2/3 da Toscana tem a presença de colinas, que se misturam a terrenos planos, abrigando os vinhedos da sua casta principal, a Sangiovese. Pelo menos metade das prateleiras de qualquer varejo é tomada de Chiantis, considerada a mais antiga zona de origem vitivinícola da Itália, estabelecida em 1932 por decreto ministerial. São muitos Chiantis em quantidade e com enorme variabilidade qualitativa.

A partir dos anos 1980, houve um desmembramento regulamentar, que destacou oito zonas dentro da área mais ampla de Chianti. Dentre elas, a maior e que corresponde ao núcleo original de produção leva a expressão Chianti Classico e concentra vinhos com mais estrutura e complexidade do que os Chiantis genéricos. A área de produção do Chianti Classico era o núcleo original da produção de Chiantis, que remonta ao século XIV e que foi se alargando e se descaracterizando para atender a grande demanda de consumo, até que as DOCGs (Denominações de Origem Controlada e Garantida) fossem criadas para preservar a distinção entre as qualidades.

Não é preciso sair do Brasil para identificar que os Chiantis podem ser bem desiguais em qualidade, e uma forma de ser mais assertivo é buscar triar pela DOCG. Além do Chianti Classico, há vinhedos de colinas a leste de Florença, cujos produtos apresentam boa qualidade, sempre dependendo do produtor: o Chianti Rufina (não confundir com a marca Rufino), o Chianti Colli Senesi e o Chianti Colli Fiorentini, por exemplo.

Tornada DOCG em 1996, os vinhedos do Chianti Classico se situam nas colinas que vão do sul de Florença até Siena, abrangendo seis comunas, que também recebem turistas amantes de vinhos. O simpático galinho da etiqueta rosa que rotula o pescoço das garrafas de Chianti Classico remete ao Gallo Nero, emblema da Liga Militar de Chianti no século XIV e quer dizer que o vinho traz, no mínimo, 80% de Sangiovese, 4.400 vinhas por hectares e uma média de 2kg de uvas por vinha.

O corte do Chianti Classico pode levar o acréscimo de outras uvas tintas locais (Canaiolo Nero Colorino e Mammolo) ou internacionais (como Merlot e Cabernet). Já o Chianti genérico exige 70% de Sangiovese + um mínimo de 10% de uvas brancas, o que faz dele um vinho mais simples, magro, com alta acidez, para ser bebido jovem. Temos ainda os Chiantis Riservas, que pode se igualar a grandes vinhos da Toscana, devendo envelhecer por no mínimo dois anos, com três meses de afinamento em garrafa para chegar ao mercado.

Florença é uma cidade viva, animada em boa parte do ano. Como em todo ponto turístico, algumas regiões, embora belas, têm sua evidência cultural e regional às vezes artificializada pela intensa concentração turística – o que não me agrada. Afinal, melhor do que beber o Chianti “Made in Tuscan” é ver aquilo que não está ao alcance das lentes. Gosto bastante de “flanar” pelas cidades e às vezes descubro coisas interessantes, às vezes também fico exausta e perco o meu tempo. Em Florença, funcionou – encontrei alguns lugares menos previsíveis que compartilho com vocês.

Um deles fica bem perto da famosa Ponte Vecchio, mas num cantinho meio escondido. O Le Volpi & L’Uva (Piazza dei Rossi, 1) é um bar de vinhos com cara de bistrô, com uma seleção muito particular de produtos, que podem ser bebidos in loco ou comprados em garrafas. Foi montado por três sommeliers em 1992, com o intuito de apresentar aos clientes frutos de uma garimpagem enológica em pequenas propriedades da região. O local é apertadinho, e os clientes se distribuem ao longo de um pequeno balcão para provar vinhos e comidinhas locais, bem ao estilo de produtos de terroir. Ali é possível perceber certa cumplicidade entre frequentadores e donos que compartilham a paixão pelo vinho. Para quem não quer arriscar perder tempo procurando encontrar o que não está a olhos vistos (como eu), atualmente eles contam com um website, pelo qual fazem reservas para degustações e disponibilizam menus de vinhos e pratos: levolpieluva.com.

Outro local, menos com o perfil enófilo, apesar de oferecer uma boa seleção de vinhos, é o La Prosciutteria Trata-se de um bar com ares de juventude descolada, com ofertas de comidinhas e taças de vinhos mais acessíveis. Ao longo de um espremido corredor, está uma vitrine de deliciosos embutidos, pães, conservas, queijos, entre outros, que podem ser montados de modo bem informal pelo cliente para compor tábuas e sanduíches e regá-las com vinhos de produtores parceiros da casa (desde um supertoscano simples a vinhos do Sul da Itália). As pessoas se misturam ali, em pé, ao longo do balcão, nas mesas e bancos improvisados do lado exterior, para saborear a regionalidade e celebrar o prazer de estar “descontraidamente” experimentando as delícias fiorentinas.

Há muito mais, lugares mais sofisticados, na moda, turísticos, entre outros. Florença é linda e cheia de graça. Arte, cultura, vinhos e comida deliciosos não faltam. E esse é só o ponto de partida da Toscana. Itália será um dos meus temas deste início de ano. Acompanhe a coluna!

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