Há alguns locais, de beleza indescritível, que vibram e reverberam em nossa memória.

A região italiana do Piemonte é, na minha opinião, um dos cenários mais encantadores, dentre aqueles que têm o vinho no centro de sua atividade cultural e econômica. Digo isso com um cuidado para não cometer injustiças, já que na minha visão de estudiosa apaixonada pelo tema, tendo a me encantar com muitos elementos do cenário vitivinícola por si só. Ou seja, confesso a falta de neutralidade no julgamento e por isso viajo para destinos enológicos quase sempre, sendo capaz de me encantar até com a cena de vinhedos podados de inverno. Mas há alguns locais, de beleza indescritível, que vibram e reverberam em nossa memória. O desenho das colinas nas quais se acomodam os vinhedos de Nebbiolo, Barbera, Dolcetto, Arneis e outras cepas autóctones, aos pés dos montes alpinos (daí Piemonte) do Noroeste italiano, é música para olhos embriagados de vinho bom.

À parte a poesia que tais lugares podem inspirar, o Piemonte está posicionado na área nobre e rica da Itália, próximo do importante centro industrial de Torino e vizinho da cosmopolita capital da moda, Milão. Mas a paisagem ali é diversa e nos remete a um rico universo agroalimentar no entorno medieval de suas várias comunas. Os vinhedos do Piemonte se estendem numa área delimitada por uma série de DOCs e DOCGs, divididas em cinco sub-regiões: Asti, Alba, Norte, Leste e Langhe. Langhe (língua em latim) é a cereja do bolo e conta com uma composição de solos, clima e adaptação vitícola muito nobre, onde um sistema de estreitas e íngremes colinas com encostas escarpadas voltadas para o sul, constituído de calcário, arenito e argila, nutre vinhedos de Nebbiolo, Barbera e Dolcetto.

O pico das colinas do Langhe tem um teor de calcário sem igual na Itália, onde se encontram os vinhedos de Nebbiolo que dão origem às DOCGs Barolo e Barbaresco e seus potentes vinhos, dentre os mais prestigiados do mundo. Cepa singular, escolheu a alta e fria região para fazer vinhos muito particulares, de acidez, tanino e álcool pronunciados e longa guarda. Climas extremos atingem a região, com inverno e verão rigorosos. A Nebbiolo, cepa de brotação e maturação tardia, segue amadurecendo até o mês de outubro, quando a região é tomada por uma névoa espessa, que motivou o nome da variedade: nebbia (neblina). A irregularidade das safras é comum, já que chuvas e granizo ameaçam florescimento e colheita.

A Barbera se estende pelos vinhedos intermediários do Langhe e a Dolcetto nas encostas norte e oeste. Ambas possuem importante papel também na vitivinicultura italiana dessa região, notadamente marcada por uma elegância ímpar em seu conjunto. A região de Alba – cidade que conta com um centro comercial enoturístico charmoso – produz bons Barberas, Dolcettos e Nebbiolos. A DOCG Dogliani fica a sul de Barolo e produz excelentes vinhos da cepa Dolcetto, plantadas nos picos de calcário, numa combinação de delicadeza, fruta e frescor. A cidade medieval de Asti, antigo centro da vinicultura piemontesa, tem vários vinhedos em seu entorno, dentre os quais se destacam a Barbera e, especialmente, a Moscato, que dá origem aos Moscatos d’Asti e aos populares espumantes leves e adocicados da mesma variedade, cujo método de elaboração leva o nome da cidade: Spumante Asti.

Mas há mais, muito mais, inclusive excelentes vinhos brancos, pouco associados ao Piemonte. A cepa Arneis faz um vinho fragrante e generoso em boca na DOCG Roero Arneis, a Norte de Alba, e a Cortese assina vinhos brancos cítricos e minerais em Gavi, parte oriental do Piemonte. A norte do Piemonte e da cidade de Turim, destacam-se um vinho de sobremesa da uva Erbaluce, o Caluso Passito e, na fronteira com o Valle d’Aosta, Nebbiolos de alta gama dos vinhedos ao redor de Carema. Sendo uma região rica, de um enoturismo sofisticado, além da beleza e excelência da vitivinicultura, não faltam bons restaurantes na rota de seus vários vilarejos – La Morra, Barolo, Barbaresco, Grinzane Cavour, Monforte d’Alba, Serralunga d’Alba, Castiglione Falletto etc. – para explorar a gastronomia piemontese, em que figuram deliciosas massas, risotos, carnes, mariscos e cogumelos, dentre eles, com sorte, os raros e perfumados tartufos biancos.

No próximo artigo, falarei de alguns vinhos degustados no Piemonte, suas elaborações e qualidades.

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