Enquanto Toro abastecia as cidades medievais de tintos, e a Rueda de brancos, Cigales fazia seus rosados ou claretes.
Continuamos a tratar sobre a nobre faixa setentrional vitivinícola da Espanha. Comecei pelas extremidades leste e oeste e agora sigo em direção ao centro. Começo pelo oeste, pela D.O. Bierzo, que fica a noroeste da região de Castilla y Léon, em zona fronteiriça com Galícia e Astúrias. Esse seu posicionamento lhe garante um excelente microclima, em termos de equilíbrio entre a umidade oceânica e a aridez das mesetas, moderando o perfil continental em seus extremos de calor e frio. Seus vinhedos estão situados em encostas de leve inclinação, numa grande depressão, rodeada pela Cordilheira Cantábrica e pelos montes de Léon.
Bierzo é sinônimo da cepa Mencía, uma variedade de cor azul violáceo e película grossa, que gera vinhos tintos muito agradáveis de beber, com uma bela cor, muita fruta, acidez, taninos finos e uma vivacidade mineral. A D.O. foi criada em 1989, mas se caracteriza pela resistência a grandes especulações corporativas, mantendo vinhedos antigos e terras em mãos de pequenos camponeses. A vinificação se dá em cooperativas ou por parte de pequenos produtores, que aprenderam a extrair o melhor de sua uva autóctone, a Mencía. São cultivadas também a Garnacha Tintorera, assim como Tempranillo e as bordalesas Cabernet Sauvignon e Merlot. Seus vinhos têm um perfil mais jovem, apesar de intensos e com reduzida passagem por madeira.
Rumo ao centro-norte, a sul de Bierzo, a próxima parada é na D.O. Toro, cuja reputação remonta à Idade Média, quando o rei leonês Afonso IX concedeu privilégios reais a esta Comarca para provimento de vinhos às comunidades religiosas de regiões sem vinhedos. No século XIX, a região teve maior êxito no enfrentamento à Filoxera, em função de seu solo arenoso, o que lhe rendeu exportações à França e impulso econômico.
Aqui é outra cepa tinta que domina a cena, a Tinta de Toro, variável da Tempranillo, que ocupa cerca de 75% de seu vinhedo. Em menores quantidades, estão presentes a Malvasia, a Verdejo e a Garnacha Tinta para elaboração de brancos e rosados. Os tintos que formam a reputação da D.O. são potentes, carnudos e amplos em boca e com boa estrutura tânica. Essa sua corpulência era um fator positivo de movimentação para outras regiões, o que explica ter acompanhado Cristóvão Colombo em travessia rumo às Américas. Esse aspecto se tornou negativo para a assimilação pelo mercado contemporâneo, o que demandou muitos ajustes na qualidade dos vinhos de Toro. Desde 1987, quando se tornou D.O., os vinhos apresentam mais elegância, com graduação alcoólica diminuída e maior valorização de aromas frutados e florais.
Bem colado a Toro está a DOC Rueda que, juntamente com Rías Baixas, representam com elegância a produção de vinhos brancos do mercado espanhol. Situada ao sul da província de Valladolid, o rio Duero cruza esta zona de leste a oeste. Rueda é a D.O. com maior produção de vinhos brancos espanhóis, com amplo consumo nacional e internacional. Os vinhos brancos que lhe dão status são feitos, especialmente, com a cepa Verdejo, que entregam frescor e aromaticidade ao consumidor. Situa-se numa parte plana do planalto central, com altitude média de 700 e 800m.
A viticultura foi iniciada pelos romanos e impulsionada por ordens monásticas, que receberam terras na época da Reconquista e passaram a abastecer as cortes castelhanas a partir do séc. XI. No século XVIII, Rueda contava com uma superfície de vinhas da Verdejo superior à atual, dada à sua perfeita adaptação ao solo argiloso local. Mas a Filoxera levou 2/3 dos vinhedos. A reestruturação da produção trouxe outras cepas brancas espanholas, como Palomino e Viura e a Sauvignon Blanc. Mas destacam-se os vinhos da Verdejo varietal e da Sauvignon Blanc, adotada a partir da década de 1970. Os vinhos da Verdejo são muito aromáticos, frutados e herbáceos, com excelente acidez, boca ampla e leve amargor típico final.
A norte de Rueda, se aproximando da Ribera del Duero, está a D.O. Cigales, trazendo um novo matiz para a cena: os vinhos rosados. Enquanto Toro abastecia as cidades medievais de tintos, e a Rueda de brancos, Cigales fazia seus rosados ou claretes (tintos claros), que acabaram lhe conferindo uma identidade. Suas cepas principais são a Tinta del País (versão local da Tempranillo) e a Garnacha Tinta e Gris (Cinza). As cepas Verdejo e Albillo também entram em cortes para trazer aromaticidade aos rosados. Atualmente, os cortes buscam se adequar às tendências do mercado, com rosados mais claros, frescos e aromáticos. Cresce o investimento em tintos jovens e frutados, bem como em assemblages da Tinta del País com a Cabernet Sauvignon para vinhos de guarda.
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Bélit
says:Gostei do conteúdo 🙂 Queria saber mais, como faço?
Míriam Aguiar
says:Olá Francisco! Que bom o seu retorno…é tudo que a gente quer escrevendo: um leitor interessado e gentil. Muito obrigada! Já tem outros sobre Espanha e continuarei escrevendo. Caso se interesse, tem artigos sobre outras regiões tbm, que fazem parte dos meus estudos e viagens: Chile, Argentina, França, Itália. Um abraço!
FRANCISCO BENITES
says:Adorei a matéria. Vc ganhou mais um apaixonado seguidor.
Minhas raízes estão encravadas na Andaluzia e uma das minhas paixões são um bom vinho espanhol.