As pessoas passaram a cozinhar mais, e o vinho é peça chave nesse contexto, em seu perfil mais intimista.
No último artigo, falei do crescimento expressivo das vendas de vinhos nos primeiros meses da aguda crise sanitária no país face à pandemia do coronavírus. Agora, faço uma análise do comportamento do consumidor de vinhos neste período, fundamentada em avaliações de especialistas (em artigos e lives) e da minha própria rede em relação ao consumo de vinhos importados e nacionais, de categorias distintas.
Se em alguns setores a economia vai mal, não podemos dizer o mesmo deste, que sempre foi mais sacrificado no Brasil. O país, que “peleja” com taxas de consumo per capita que mal ultrapassam 2 litros anuais há décadas, chega a 2,38 litros no primeiro semestre de 2020, números impactados diretamente pelo aumento de 27,8% no volume de vendas de vinhos no mesmo período, segundo dados publicados pela Ideal Consulting. Esse consumo equivale a 5% das taxas vigentes nos maiores consumidores de vinhos mundiais, mas, levando-se em conta a nossa volumosa população e a mudança genérica de comportamento do consumidor contemporâneo, que “bebe menos e melhor” (a queda de volume não representa necessariamente queda de receita), trata-se de um dado digno de comemoração.
Os saltos vieram com o consumo durante a quarentena. Segundo avaliações da Wine Intelligence, o primeiro impacto da pandemia foi acirrar a percepção de risco diante da pressão das altas cambiais, gerando insegurança e incertezas profissionais. O vinho parecia uma preocupação “fútil” diante de tantos problemas, inclusive com reais vivências da doença e perdas. Para os fornecedores, aumentar preços nesse contexto seria improdutivo.
Por outro lado, à medida que a pandemia se agravou, e o confinamento foi radicalizado, sem perspectivas muito próximas de mudanças, houve uma contenção obrigatória de outros gastos, resultante do cancelamento de viagens e da não disponibilidade do entretenimento gastronômico. Essa economia “forçada” foi direcionada para o lazer enogastronômico dentro de casa. As pessoas passaram a cozinhar mais, e o vinho é peça chave nesse contexto, em seu perfil mais intimista, muito associado à comida e ainda com uma imagem de consumo alcoólico “saudável”.
Outro aspecto importante foi o fato de as redes sociais digitais terem incorporado até quem lhe era alheio – restou como o contato social possível e necessário. Múltiplas lives, promovidas por produtores, distribuidores e instituições do setor tornaram-se uma ferramenta promocional importante, pois ali os vinhos eram apresentados, vendidos, mas também o consumidor se viu capturado por mais informações sobre o mundo dos vinhos e outros se iniciaram nesse universo. Além disso, se sentiram parte de uma comunidade de convivência, conhecimento e prazer.
Para complementar essa percepção do redimensionamento do consumo de vinhos, fiz uma pesquisa junto aos meus alunos de grupos de estudos sobre vinhos e confrarias de minha rede social para identificar quantitativa e qualitativamente a mudança de consumo durante a pandemia. Três questões foram colocadas: 1) Se houve e qual foi o aumento de consumo de vinhos de cada um; 2) Se as pessoas compraram mais vinhos; 3) Se os perfis de consumo modificaram. Numa amostragem de 40 pessoas, apenas 10% não aumentou seu consumo e compras, sendo que 45% aumentou de 30% a 70% a sua média, e 45% dobrou minimamente o consumo. Em relação às compras, 62% das pessoas aumentaram em, no mínimo, 100% o seu volume de compras semanais ou mensais.
Interessante perceber ainda as mudanças nos hábitos de consumo, tendo 67% dos entrevistados declarado que começaram a experimentar diferentes tipos de vinhos, diversificando nacionalidades, uvas, perfis e também fornecedores. Dentre as nacionalidades, destaca-se mais curiosidade e simpatia pelos vinhos nacionais e a opção por vinhos portugueses, vistos como bons em preço/qualidade. Alguns, levando-se em conta o aumento do próprio consumo, passaram a buscar promoções, e outros, tendo em vista a redução de gastos em restaurantes, investiram mais em vinhos, incluindo produtos de alta gama.
Há que se considerar que os entrevistados são já “amantes” de vinhos e buscam de algum modo conhecer mais. Isso se traduz num nítido interesse pela exploração do mercado, em preços, qualidades, origens, elaborações e até fornecedores que podem ser mais especializados em certos perfis. Este dado nos informa que o consumidor mais esclarecido vem ganhando autonomia para arriscar em suas escolhas. O certo é que Dionísio está em alta e ajudando a elevar os humores deprimidos pela pandemia.
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