Regiões já consagradas se mobilizam para avaliar mudanças e contornar efeitos destrutivos da mudança climática
Após uma semana de espantosas temperaturas até para o verão, embora ainda seja primavera no Sudeste brasileiro, o tema do aquecimento global rouba a cena e nos faz refletir sobre o que acontece e o que ainda podemos fazer para evitar que essas ocorrências se generalizem.
Se a preocupação perpassa o cotidiano daqueles cujos impactos se resumem a sentir mais calor e lidar com suas sensações, há segmentos que são atingidos de forma mais radical. A agricultura é um deles e, tendo em vista que os resultados podem mudar o perfil dos produtos e muitas vezes gerar perdas expressivas, faz-se necessário análises mais complexas e ações mais contundentes para remediar e prevenir problemas.
A viticultura sente o impacto dessas mudanças, que pode ser especialmente catastrófico para regiões que pareciam ter alcançado um patamar de qualidade mais sólido. Estudos multidisciplinares têm sido cada vez mais desenvolvidos para tentar responder às questões que se impõem no segmento e ajudar quem trabalha na indústria do vinho a preparar-se para o clima de amanhã.Já se percebe uma antecipação generalizada nos cursos da brotação, floração e maturação dos vinhedos. As datas de colheita no contexto europeu avançaram em, no mínimo, 15 dias já há alguns anos. As uvas amadurecem mais rapidamente e muitas vezes não há como se evitar uma graduação alcoólica muito alta, no limite do aceitável, até em regiões de clima mais temperado, com vocação para vinhos mais frescos. O amadurecimento precoce muitas vezes provoca um desequilíbrio na relação entre açúcar e acidez e pode mudar perfis aromáticos e polifenólicos dos vinhos.
Foi o caso que relatei recentemente em relação a produtores do Alto Adige, extremo norte da Itália, com clima mais fresco, onde alguns vinhateiros mudaram a Pinot Noir (uva de maturação precoce) para áreas mais altas, pois o adiantamento de seu amadurecimento pode gerar vinhos alcoólicos, que traem o perfil mais fresco que a consagrou. O amadurecimento rápido também pode prejudicar a maturação fenólica ideal, lenta e progressiva.
Em função disso, a adaptação de novas uvas vem sendo testada em algumas Denominações de Origem, visando uma possível alteração de seus regulamentos de uso. Em Bordeaux, desde 2021, seis cepas foram autorizadas a serem incorporadas experimentalmente por sua produção vitivinícola, dentre elas, as portuguesas Touriga Nacional e Alvarinho. Ou seja, uvas de regiões mais quentes do que o clima regular de Bordeaux, que já não é mais o mesmo.
Além do tempo de maturação médio intensificado, outro problema enfrentado é o aumento de eventos extremos, como calor excessivo e tóxico, secas, chuvas torrenciais, granizo e geada. Um transtorno que tem acontecido é quando uma temperatura mais alta do que o habitual ocorre no final do inverno e antecipa a brotação das uvas, mas é seguida de queda brusca de temperatura e geada, queimando os brotos prematuros e abortando o processo vegetativo.
Picos de calor extremo podem aumentar a produtividade das vinhas e ter impacto negativo na qualidade dos vinhos. Já a ausência de chuva tem levado à autorização da irrigação, antes terminantemente proibida em algumas regiões. A uva vinífera tem boa resistência ao stress hídrico, que pode funcionar a favor de sua qualidade, mas falta de água absoluta também prejudica o seu desenvolvimento. Cheguei a relatar nesta coluna o caso de vinhedos de Chenin Blanc no Vale do Loire que estavam estagnados em 2022, pela combinação de falta de chuva e proibição de irrigação.
A mudança é fato, mas há regiões que vêm sendo agraciadas pelo clima mais seco e quente nos vinhedos, justamente onde o problema era excesso de umidade e frio. Atualmente, estima-se que o aumento médio da temperatura está em torno de 1ºC, e algumas análises avaliam que isso poderia provocar um deslocamento dos vinhedos de 1000 km em relação aos atuais limites territoriais e uma mudança bem significativa na constituição dos terroirs.
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