Doces e secos com equilíbrio ímpar dulçor/acidez e envolvente perfil aromático.
Em minha passagem pelo sudoeste da França, após Madiran e Pacherenc du Vic-Bilh, tratado no último artigo, fui visitar o Jurançon, região bem próxima da cidade de Pau. Em relação às primeiras regiões, Jurançon está ainda mais a sul e a oeste da França, o que reforça a influência dos Pirineus e do oceano Atlântico em seu terroir. Apresenta certas semelhanças com a produção do Pacherenc du Vic-Bilh, quanto às cepas utilizadas e o perfil de vinhos brancos doces e secos, mas com particularidades devidas ao seu posicionamento.
O primeiro ponto é a altitude que se acentua. Os vinhedos se encontram em altitude média média de 300m, com perfil íngreme e bom aproveitamento das encostas. Os solos decorrem das formações dos Pirineus, com grande presença de argila, em parte associada à areia e seixos silicosos.
O clima tem uma influência direta dessa altitude (a cadeia dos Pirineus se encontra a cerca de 20, 30 Km dali), ajudando na formação de uma boa amplitude térmica, com diferenças de temperatura significativas entre o dia e a noite. Eu estava no período de um verão notadamente quente, mas, à noite e pela manhã, fazia-se necessário um agasalho, mesmo sendo uma região meridional da França, que se beneficia do calor mediterrâneo. A cerca de 80km, está o oceano Atlântico, que tem efeito moderador sobre o clima e que traz umidade para a região do Jurançon. A pluviometria é acentuada (1200ml/ano) e, mesmo que bem distribuída ao longo do ano, garantir uma boa drenagem é fundamental.
De que forma isso configura o perfil dos vinhos? Digamos que é uma região que tem amadurecimento das uvas favorecido pela latitude mediterrânea, moderado, entretanto, pela umidade oceânica e pela altitude. Isso garante um bom amadurecimento das uvas, mas estendido, o que geralmente dá um bom balanceamento entre o açúcar e a acidez do mosto e possibilita colheitas mais tardias. Importante também a capacidade de retenção de água do solo argiloso, diante da alta pluviometria.
Mas há outro fator importante, que são as suas cepas tão particulares: Petit Manseng, Gros Manseng (principais). Quando falamos de alta umidade, há sempre risco de doenças fúngicas, um problema recorrente na viticultura. Essas cepas têm películas mais espessas, o que as tornam menos vulneráveis a essas doenças. Especialmente a Petit Manseng tem seus cachos mais soltos, com espaço para a aeração, o que faz dela a principal cepa utilizada nos Jurançons doces.
Assim, de modo geral, apesar da antecipação que o aquecimento global tem provocado nas últimas safras, trata-se de uma região que, tradicionalmente, pratica a colheita em meados de outubro (mais comum em setembro em outras regiões), podendo acontecer em dezembro para os vinhos doces. A Petit Manseng consegue avançar o outono, sem ser acometida por doenças fúngicas, motivo pelo qual o seu dulçor venha da colheita tardia e não do botrytis nobre (que ocorre em outras regiões produtoras de vinhos doces).
Além do perfil das uvas de excelente acidez, segundo os produtores, o fato da cepa preservar sua película íntegra faz com que ela preserve mais a acidez, à medida que amadurece e concentra dulçor. O rótulo com indicação AOC/AOP Jurançon indica que o vinho é doce – especialidade produtiva mais tradicional, que hoje responde por 60% da produção.
Nos últimos tempos, começaram a investir mais no vinho seco, também com equilíbrio ímpar entre fruta e acidez, aromas cítricos e de frutas tropicais, que ganham complexidade com a idade. O fato é que o mercado atual aprecia menos os vinhos doces, apesar do inegável reconhecimento de suas qualidades. Cada vez mais o investimento recai em vinhos secos com a indicação AOC/AOP Jurançon Sec, com direito a inovações nos perfis.
No próximo artigo, falarei sobre bons rótulos degustados no sudoeste francês.
Cursos de Vinhos com Míriam Aguiar: saiba mais pelo Instagram @miriamaguiar.vinhos ou Site: miriamaguiar.com.br.