Bons resultados em áreas difíceis provocam otimismo, mas a imprevisibilidade é consenso.
No artigo anterior, falei da trágica safra de 2021 em alguns países da Europa e das ameaças que as mudanças climáticas impõem. A produção de vinhos finos a partir das variedades viníferas já é muito afetada pelas doenças fúngicas que o excesso de umidade pode provocar, além dos efeitos predatórios de granizo, geadas, tempestades. A qualidade das cepas também é caprichosa; depende da combinação de vários elementos, alguns garantidos pelo aprimoramento de técnicas e tecnologias e outros entregues à mãe natureza.
Se as tradicionais regiões estudam alternativas para driblar a tendência de aquecimento global e seus desequilíbrios, outras apostam, ou ao menos torcem, para que o vento sopre a seus favores. Este é o caso do Sul da Inglaterra, que tem experimentado um êxito recente, desde que arriscaram a investir na produção de espumantes, no final da década de 1980, após constatarem semelhanças geológicas com os solos de Champagne. Até então, a viticultura em clima tão frio era bem limitada. Os bons resultados animam, e há uma expectativa de alcance de uma média de temperatura também semelhante a Champagne com o passar dos anos.
Quando pensamos em mudanças climáticas que afetam a viticultura, em decorrência do aquecimento global, o primeiro ponto seria o aumento de temperatura, o que, numa análise bem parcial, poderia beneficiar regiões de clima mais frio, com dificuldade no amadurecimento adequado das uvas e infernizar regiões de clima já mais quente, que conseguem trabalhar no limite com uvas de longo amadurecimento. Mas, no meio do caminho, há várias outras composições que estariam bem equacionadas e acostumadas a lidar com as variações previsíveis de safras, que agora estão sendo surpreendidas com brotações antecipadas e maturações excessivas, mas também com chuvas fora de época, em quantidades favoráveis ou não. Ou seja, mesmo dentro da expectativa de um alento em áreas em que fazer vinho fino nunca foi fácil, há uma constatação da imprevisibilidade.
Vejamos o caso do Brasil. Num país em que boa parte da produção de uvas se dá em alguma sub-variação climática do tropical (subtropical, tropical de altitude), o problema não reside em não ter temperaturas para bom amadurecimento, mas que elas coincidam com estações secas, pois as chuvas em excesso impedem o bom amadurecimento e podem interromper a cultura, trazendo problemas sanitários.
A safra de 2020, considerada por alguns como a melhor de todos os tempos para a vitivinicultura brasileira, na região Sul, foi caracterizada por um verão quente e seco, o que possibilitou o amadurecimento completo dos frutos (açúcares e compostos fenólicos) e permitiu o trabalho com variedades tintas, de longo amadurecimento – o maior desafio dessas regiões. No entanto, esta mesma safra começou mal, com instabilidades no período de brotação e floração, o que gerou perdas quantitativas, a exemplo do que ocorre em algumas regiões europeias. A qualidade é que compensou a quantidade.
Já 2021 começou espetacular para os estados de SC e RS – até com mais expectativas quantitativas que em 2020 – mas, em meados de janeiro, as chuvas vieram, não a ponto de gerarem problemas sanitários, mas de provocarem uma instabilidade e alterarem o status de maturação. As variedades mais precoces (espumantes e brancos) não foram impactadas, as intermediárias, sim (algumas colhidas mais cedo, por causa da incerteza), e as mais tardias, que sobreviveram à chuva, se deram bem.
As mudanças climáticas causam incerteza, isso é fato. Para regiões mais consagradas, se tratam de grandes ameaças, para regiões que já lidam com problemas climáticos, isso não está muito definido, cabendo até esperança de melhorias, mesmo que em curto prazo.
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