Não sei quanto tempo uma moça ficava solteira naquela época, mas em nossos tempos de relações efêmeras, ia sobrar muito kvevri enterrado.
Na semana passada, rolou nas redes sociais uma mensagem sobre as justificativas para a capacidade das garrafas de vinhos mais usuais, isto é, de 750ml. Resolvi resgatar umas anotações a este respeito e variar a temática em julho. Em agosto, voltamos às outras regiões vitivinícolas do Chile.
No texto, o motivo para se ter 750ml se assenta na adequação da embalagem à realidade de um dos principais e mais veteranos mercados consumidores de vinhos: a Inglaterra. A importante relação entre ingleses e bordaleses (de Bordeaux, França), respectivamente consumidores e produtores de vinhos, fez marcos importantes na história do mercado de vinhos, justificando muitas práticas como esta e favorecendo o êxito ou a invisibilidade de algumas regiões vitivinícolas da França e de outros países. O apreço do inglês pelo vinho clarete de Bordeaux no século XII não se deu apenas pelo gosto, mas por relações econômicas privilegiadas em função do posicionamento geográfico e de benefícios fiscais. Afinal, é mais ou menos assim que as coisas funcionam.
Voltando ao tema do acondicionamento do vinho, duas são as funções da garrafa reconhecidas historicamente como fundamentais para a comercialização do vinho: permitir o seu transporte e prolongar a sua duração. Como o vinho é um produto vivo, que segue envelhecendo, a garrafa e outros recipientes podem participar também do seu processo de maturação de forma programada. Na história do vinho, há registros de alguns formatos de acondicionamento do produto, que não participavam apenas da guarda e transporte, mas também do processo de produção, como as jarras ou ânforas de barro e os tonéis.
De acordo com os registros arqueológicos, as ânforas já eram utilizadas no Cáucaso, Mesopotâmia e Anatólia desde 5000 a.C. A esse respeito, vi uma exposição muito interessante no Museu La Cité du Vin, em Bordeaux, sobre o vinho na Geórgia – na qual descobri os kvevris. Os kvevris eram grandes jarras de argila que recebiam as uvas esmagadas para fermentação alcoólica e, posteriormente, uma vez retiradas as cascas, eram vedados e enterrados por muitos anos, contendo vinhos que seriam bebidos em ocasiões especiais. Tinham por tradição enterrar um kvevri quando uma menina nascia e só abri-lo novamente em seu casamento. Não sei quanto tempo uma moça ficava solteira naquela época, mas, posso afirmar que em nossos tempos de relações efêmeras, ia sobrar muito kvevri enterrado por aí! (vazio)
Após as ânforas de barro, vieram os tonéis, de origem gaulesa. A substituição progressiva das ânforas pelos tonéis se deu pelo fato de serem mais leves, roláveis e transportáveis no dorso de animais. Os tonéis se difundiram ao longo da Idade Média, do norte ao sul da Europa, compondo o cenário das primeiras grandes cidades mercantis europeias. Sua utilização direta para o consumo foi pouco a pouco substituída pelas garrafas, mas eles continuaram ativos nas cantinas, onde podiam armazenar acima de 1.000 litros e participar ativamente do processo de produção do vinho. Atualmente, ainda estão presentes em cantinas mais tradicionais ou na parte antiga de muitas vinícolas já modernizadas, que passaram a adotar para o mesmo fim tanques de aço inoxidável e barricas de carvalho, com capacidade mais usual para 225 litros.
Enquanto os tanques são fundamentais na transformação do mosto em vinho e outros procedimentos de produção, os barris são mais utilizados para envelhecimento dos vinhos, em muitos casos com uma participação bem efetiva na construção de sabores, através da interação entre o líquido e a tosta da madeira.
Já as garrafas de vidro surgiram em Veneza, onde os romanos desenvolveram a técnica de fabricação do vidro pelo sopro de cilindros. No entanto, até o século XVII, eram pouco utilizadas em função do alto custo. Só no século XVIII, com a invenção do forno de carvão inglês, é que o vinho passou dos tonéis às garrafas mais resistentes e apropriadas para transporte e guarda dos vinhos. A garrafa de 750ml é a mais usual. A garrafa magnum, de 1,5 litro, é um formato que aparece muito na produção europeia e que começa a se difundir por aqui, pois tem a vantagem de ser mais adaptável ao consumo em família ou em grupos. Além disso, a menor proporção entre oxigênio e volume de vinho facilita a sua conservação. O contrário pode se dizer da 1/2 garrafa, de 375ml, na qual a oxigenação proporcional é maior e pode acelerar o envelhecimento, tornando-a mais apropriada a vinhos de rápido consumo. Por outro lado, tornou-se uma opção favorável ao consumo individual.
Visando o transporte e a mesa do consumidor, há ainda hoje a popularização da venda dos vinhos em tetra-packs, embalagens utilizadas para venda de sucos, leite, entre outros. As chamadas bag in box são utilizadas para acondicionar uma maior quantidade da bebida e são uma ótima opção para eventos, bares e restaurantes que servem vinhos em taças. Seu custo menor, aliado à capacidade de conservação e justificação ecológica (menor emissão de carbono na produção e quase integralmente reciclável) tem levado muitas vinícolas a adotarem também essa versão. Inclusive há pequenos produtores de vinhos orgânicos, compensando o custo normalmente superior de seus produtos com esta embalagem.
Finalmente, a garrafa de 750ml continua bem adaptável ao mundo contemporâneo, por aliar aspectos produtivos à praticidade do transporte e funcionar bem para o consumo imediato de uma ou duas pessoas numa refeição. Com a utilização do vac au vin (acessório para extrair excesso de ar da garrafa), os bebedores mais moderados podem esticar o consumo por mais uns dias, depois de aberta a garrafa, com baixo risco de perda qualitativa.
Para saber mais sobre eventos, turmas abertas de formação em vinhos da Cafa Wine School, de Bordeaux, entre outros projetos realizados por Miriam Aguiar, visite miriamaguiar.com.br / INSTAGRAM: @miriamaguiar.vinhos
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