Garnacha, Cariñena, ganhos pós-filoxera e inovações chamam a atenção para os rótulos do nordeste espanhol.

Após uma passagem pelo norte português, voltamos à vasta e rica vitivinicultura da faixa setentrional espanhola. Neste último artigo sobre o tema (de uma série de cinco), vou abordar o nordeste espanhol, por D.O.s localizadas nas regiões de Aragón e Catalunha, acompanhando a bacia do Rio Ebro até o Mar Mediterrâneo.

Em Aragón, há quatro D.O.s de boa produtividade e qualidade, com vinhedos que alternam perfis climáticos híbridos, entre o calor seco mediterrânico e o rigor invernal continental, provocados pela presença de uma topografia acidentada a norte (Pirineus), sul (Sistema Ibérico) e leste (cadeias montanhosas que margeiam a Catalunha). O resultado, de modo geral, é, maturação longa das castas, gerando vinhos tintos robustos que têm sua acidez preservada em algumas áreas, em função da boa amplitude térmica, além da produção de brancos, especialmente da Macabeo (também denominada Viura) e rosados.

Aragón é a terra de origem da Garnacha Tinta, que assume o protagonismo em boa parte do território, combinada com a Tempranillo, a Cariñena (outra cepa autóctone) e a crescente integração das cepas francesas tintas e brancas. Essa entrada teve início com os impactos da filoxera na França, que deu um impulso comercial para as regiões espanholas próximas da fronteira francesa. Nas últimas décadas do século XX, a região se beneficia das renovações enológicas e a ampliação do mercado vitivinícola em nível global.

Começo pelas D.O.s que se encontram a oeste de Aragón, na província de Zaragoza. A menor delas, com apenas 7.414 ha, é a D.O. Campo de Borja, que até as primeiras décadas da segunda metade do século passado exportava vinho a granel para cortes. Desde 1980, começaram a engarrafar seus próprios vinhos e a ganhar identidade com a produção de tintos encorpados, de aromas frutados, especialmente da cepa Garnacha tinta (80% do vinhedo), complementada pela Tempranillo, Cabernet Sauvignon, Merlot e Syrah. Há brancos frescos, especialmente da Macabeo e licorosos da Moscatel.

Logo abaixo, se deslocando para o centro, há a D.O. Calatayud, a mais jovem dessa região (1989), que se situa numa área rodeada por formações montanhosas, na transição entre o Sistema Ibérico de montanhas e a Depressão do Ebro. Assim como nas demais regiões, a vitivinicultura passou pelas mãos romanas e monasteriais e teve um ímpeto exportador com os impactos das perdas francesas no período da filoxera. Ali também predomina a Garnacha Tinta (60% do vinhedo), com boa presença de viñas viejas, muito resistentes ao frio, numa área de temperaturas extremas, que produz tintos bem equilibrados, desde jovens mais frescos e fáceis de beber a outros aptos ao envelhecimento. Os brancos resultam principalmente da Macabeo, às vezes cortada com a Chardonnay e há rosados mais concentrados.

Colada em Calatayud está a D.O. Carineña, uma das primeiras espanholas, regulamentada em 1932. Diz-se que ali se bebia vinho com mel 300 anos antes da nossa era. Apesar do nome, a Cariñena não é a cepa mais dominante na região – foi fortemente atacada pela filoxera, tendo sido substituída pela Garnacha Tinta (55%), vinificada para tintos e rosados, e pela Tempranillo (15%), muito utilizada na produção de vinhos Crianza. A Cariñena, em menor proporção, é também utilizada nos cortes. O perfil é de vinhos tintos potentes e há produção de rosados e brancos frescos (90% da Macabeo).

Outra denominação a se destacar na região aragonesa tem perfil distinto, pela própria localização. A D.O. Somontano (que significa “debaixo da, no pé da montanha”) está posicionada a nordeste de Aragón, na província de Huesca, envolta por uma bela paisagem montanhosa, nos pés dos Pirineus, com vales que desembocam no Rio Ebro. Os vinhedos se encontram a 80km da fronteira francesa. Tornada D.O. em 1984, é uma área que conta com novos empreendimentos, que se destacam competitivamente em relação às regiões produtoras clássicas da Espanha. Um quesito que lhe confere força e identidade é o seu patrimônio de cepas autóctones (Moristel, Parraleta, Alcañon), que foi mesclado com variedades francesas, espanholas tradicionais e ainda com as brancas Riesling e Gewurztraminer. A altitude e a alta variação térmica anual (entre -12oC no inverno e 42o C no verão) conferem boa acidez aos produtos e lhes possibilitam trabalhar com uma gama variada de vinhos – brancos, rosados, tintos mais elegantes e frutados (Tempranillo + Moristel) e tintos encorpados (Cabernet + Merlot).

Finalmente, já na região da Catalunha, onde se encontram vinhos de variados estilos e categorias, em função de sua própria diversidade topográfica e climática, ressalto uma D.O. colada em Barcelona: Penedés (Priorat já foi tratada no segundo artigo da série). Ali a cultura da vinha foi introduzida pelos fenícios e desenvolvidas pelos romanos. Até o séc. XIX, predominavam vinhos tintos e no pós-filoxera houve uma grande introdução de cepas brancas, voltadas à produção de espumantes. Há três áreas e perfis de produção: Penedés Inferior, próximo ao nível do mar (250m), onde predominam vinhos da Garnacha e da Cariñena; Penedés Médio, com altitude entre 300 e 500m, boa exposição solar, onde se encontram variedades para Cava, Cabernet Sauvignon e Tempranillo; Penedés Superior, com altitude a partir de 800m, área de baixa produção com alta qualidade, com destaque para brancos de castas espanholas, francesas e alemãs e bons tintos.

A produção dos espumantes CAVA é dominante na Catalunha e merece uma abordagem às parte, que farei no último artigo de 2020, quando falarei também de outros espumantes importantes, que brindam a passagem do ano.

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