‘O Barolo é aquele vinho que a gente tem que sentar com ele e perguntar o que ele tem a dizer’ (Jorge Lucki).

Seguindo com o tema da região do Piemonte, neste artigo vou falar diretamente dos vinhos mais nobres e consagrados internacionalmente dessa região e o que os caracteriza. As duas grandes estrelas do Piemonte são os vinhos classificados como DOCG Barolo e Barbaresco, homônimos das comunas que abrigam os vinhedos da Nebbiolo que lhes dão origem. Essa casta tão singular é considerada uma das mais nobres do mundo justamente pelo brilho de seus vinhos na região noroeste da Itália e, especialmente, os dessas duas denominações. Sem depreciação alguma para as demais produções de uvas distintas e de vinhos outros feitos da Nebbiolo nessa região.

A distância de aproximadamente 20km entre Barolo e Barbaresco, situados ambos na região do Langhe, talvez corresponda aos aspectos que as diferenciam: nada tão significativo, mas digno de nota. Barolo, a oeste, é um pouco mais extenso e tem clima mais temperado, em função da maior altitude, o que justifica uma colheita cerca de uma semana mais tardia do que as vinhas de Barbaresco. Há certas diferenças internas entre solos, altitudes e luminosidades dentre os próprios vinhedos de Nebbiolo, presentes no entorno da comuna de Barolo, mas também de Castiglione Falleto, Monforte d’Alba, La Morra e Serralunga d’Alba. Barbaresco fica na região central do Langhe, a norte de Barolo, incluindo três comunas: Barbaresco, Treiso e Neive.

As primeiras referências à Nebbiolo datam de 1268 e acredita-se que sua origem seja no Piemonte, embora não exista precisão. O fato é que é ali e em seus arredores do noroeste da Itália que a cepa se aclimatou e aparece, inclusive, com nomes distintos, coisa muito comum no mundo do vinho regional – na DOCG Ghemme, ela é chamada de Spanna, e na Lombardia (DOCs Valtelina), de Chiavennasca. A Nebbiolo é uma cepa bem singular, na minha opinião, primeiro, pela sua quase exclusiva produção nessas regiões (não é uma cepa facilmente adaptável globalmente); depois, porque faz vinhos com certa transparência, que sugerem, visualmente, uma tenacidade, que combina com seus aromas sublimes, mas que se contradiz no paladar – já que apresenta altas concentrações de tanino, álcool e acidez. Essa combinação de fatores faz dos seus grandes vinhos produtos de difícil assimilação por para consumidores acostumados a líquidos concentrados de cor, fruta e paladar redondo. Não me esqueço de que, numa entrevista ao especialista Jorge Lucki, eu comentei isso a respeito do Barolo e pedi a sua opinião. Ele me disse algo como: “O Barolo é aquele vinho que a gente tem que sentar com ele e perguntar o que ele tem a dizer.”

Apesar disso, o Barolo, considerado o “Vinho dos Reis e Rei dos Vinhos”, pela sua alta reputação junto à nobreza; era o vinho preferido do Rei Vittorio Emanuelle II, o primeiro monarca da Itália após a unificação do país em 1861. Barolo e Barbaresco são presenças imprescindíveis nas adegas mais selecionadas, especialmente se vindos de bons produtores e parcelas. Desde fins do século XIX, a exemplo da Borgonha – região com a qual guardam semelhança pela expressividade do terroir e pela elegância e complexidade alcançadas especialmente com a longa guarda – foi realizado um esforço de delimitação das parcelas de vinhedos mais nobres, da qual surgiram os Crus (vinhedos especiais) das duas DOCG’s, que dão origem aos Grands Crus de Barolo e Barbaresco. Esta delimitação avançou lentamente e começou a ser praticada no mercado, extraoficialmente, até ser adicionada às regulamentações dos Conzorcios de Barolo e Barbaresco na primeira década dos anos 2000. Eis alguns dos mais prestigiados em Barolo: Cannubi, Brunate, Rocche, Bussia-Soprana, Cerequio e Monprivato. Em Barbaresco, destacam-se os vinhedos de Rabajà, Asili e Il Briccio.

A longa guarda (é um vinho que dura 20 anos tranquilamente) sempre funcionou como um pré-requisito para que esses vinhos expressem seus aromas evoluídos de flores, frutas negros e vermelhos, alcaçuz, alcatrão, especiarias e couro, bem como um paladar longo e macio, que na juventude ficam limitados a uma percepção mais tímida e austera, dada às altas concentrações de acidez e e taninos. No entanto, a modernidade já vem alterando isso, tornando os vinhos acessíveis mais cedo, guardadas as devidas proporções, pois os melhores vinhos não são para consumo jovem. O que marca a diferença entre um Barolo e o Barbaresco? Um dos aspectos (falando do Barbaresco) é justamente estar pronto mais cedo, com taninos mais macios e um bouquet de frutas mais vermelhas do que pretas.

Não consegui chegar aos aspectos produtivos na cantina e às impressões dos vinhos degustados neste texto. Esses temas serão tratados, então, no próximo artigo, incluindo vinhos de outras castas da região.

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