Um pouco mais sobre a produção das AOPs Madiran e Pacherenc-du-Vic-Bilh.
Neste e no próximo artigo, venho complementar a cobertura de visitas a regiões do sudoeste da França, trazendo um pouco mais sobre suas vinícolas. Agora falo de dois formatos bem distintos de produção: uma propriedade familiar e uma cooperativa da região a meio caminho dos Pirineus e do oceano Atlântico, que abriga vinhedos que dão origem a duas AOPs: Madiran (tintos) e Pacherenc-du-Vic-Bilh (brancos secos e doces).
Château Lafitte-Teston é uma propriedade familiar de oito gerações, inicialmente de viticultores, sendo que o atual patriarca da família, Jean-Marc, fez significativas evoluções para que a vinícola começasse a engarrafar seus próprios vinhos nos anos 1970. Hoje, os irmãos Ericka e Joris estão à frente da produção de vinhos das duas AOPs e, ainda, da IGP Côtes de Gascogne, que assina vinhos mais simples, do dia a dia, nas categorias brancos (secos e doces), rosés e tintos. Os vinhos de alta gama perfazem 60% de sua produção.
Ao todo, uma superfície de 55ha de vinhedos, com cepas tintas (80% de Tannat, 10% de Cabernet Franc e 10% de Cabernet Sauvinon) e brancas (70% de Petit Manseng, 20% de Gros Manseng e 10% de Petit Corbu). Assim como acontece com outros produtores, há certa diferenciação geológica, que permite a criação de perfis distintos de vinhos, com áreas mais argilo-calcárias, outras com combinação de argila e pequenas pedras e, ainda, o tuffeau.
O que eu gostei bastante é o estilo gourmand e equilibrado dos vinhos do Laffitte-Teston, cujos Tannats não apresentam um caráter ríspido, inacessível, pelo contrário. Também não abusam do uso de madeira para suavizar os taninos; há um trabalho bem calculado que soma boa maturação das uvas + uso moderado das barricas, para trazer um vinho de estrutura elegante, com taninos finos e vivacidade.
Nos vinhos brancos, as cepas Gros-Manseng, Petit Manseng e Petit Corbu entregam toda sua graça tanto nos secos quanto nos brancos. O grande vinho tinto é o Prestige CH Laffitte-Teston, com 100% Tannat em solo argilo-calcário, com passagem de 12 meses em barricas novas. Trata-se de um vinho de guarda, para ser bebido a partir de 5 anos. Levando o nome da enóloga proprietária, temos o branco seco Ericka, um belo vinho AOC Pacherenc-du-Vic-Bilh seco, aromático, elegante e com personalidade.
Outra visita extremamente proveitosa foi à Cave de Croiselles. Trata-se de uma cooperativa que reúne 112 viticultores e 650ha, cujos cultivos dão origem aos vinhos das AOPs Madiran e Pacherenc-du-Vic-Bilh, exibidos na sede do imponente Château de Croiselles, restaurado para receber enoturismo, atrações culturais e artísticas. As produções cooperadas são muito presentes na França e algumas realizam de forma muito eficaz a condução de marcas coletivas, dando àqueles que não podem realizar as próprias produções uma possibilidade de serem mais do que fornecedores de uvas, com iniciativas que lhes dão mais visibilidade e benefícios.
Gostei dos rótulos e da organização e, especialmente, percebi que estão sintonizados com as inovações. Hoje, 120ha já se encontram engajados na viticultura orgânica. Há alguns anos, estão empenhados num trabalho de seleção parcelar, que compreende um estudo geológico mais aprofundado do território, para a criação de um inventário e uma cartografia dos terroirs. Trata-se de uma iniciativa que visa melhor orientar a criação de cortes e rótulos, com a expressão de identidades mais particularizadas. Dois resultados concretos são os cortes da linha Marie Maria, obtidos de parcelas com solos distintos (aluviais, argilo-pedregosos, argilo-calcários), plantadas com cepas Cabernet Sauvignon e Tannat, com predomínio da última.
Marie Maria foi inspirado no nome original do vilarejo Madiran, que se chamava “Maridan”, derivado de “Maria Dona, Sainte Marie”, patrona da igreja de Madiran e do grande monastério, que abrigou monges beneditinos desde o século 11, os quais, posteriormente tornariam o vinho de Madiran conhecido, ao serem degustados pelos pelegrinos viajantes da rota de Santiago de Compostela.