Um tesouro que sobreviveu às crises e expressa a nobreza e ancestralidade da vitivinicultura da Europa Oriental.

Para falar da vitivinicultura da Europa Oriental, o primeiro passo deve ser pela Hungria, como eu já mencionei no último artigo, em função da sua grande estrela – o vinho doce Tokaji – que arranca suspiros dos mais diversos universos de consumidores vip de vinhos, mesmo que tenha estagnado a sua produção entre 1949 e 1989.

Há registros de êxito na produção de vinhos húngaros desde o Império Romano. Em recente viagem à Suíça, eu participei de uma feira em que degustei alguns vinhos produzidos em um mosteiro beneditino fundado no século 10, hoje habitado por novas gerações de monges, que, após a era comunista, recuperaram vinhedos confiscados e produzem vários rótulos de vinhos varietais com uvas internacionais. Os rótulos são assinados como Pannonhalmi Apatsagi Pinceszet (significa: Vinícola da Abadia de Pannonhalma).

Em termos de cepas mais nativas, as brancas Furmint, Hárslevelű e Sárga Muskotály são grandes forças, vinificadas solo, mas também como partes do corte do Tokaji – que conta com a acidez e a predisposição à botrytis da Furmint, com o aroma floral e sabor frutado da Hárslevelű e com a pungência aromática da Sarga Muskotæaly (da família Moscatel). Outras cepas podem entrar em menor proporção. Há vários Tokajis (secos inclusive) e os mais famosos são os Aszù, que levam a indicação dos puttonyos: um cesto contendo mosto de uvas ultra doces, colhidas tardiamente botritizadas (desidratadas pelo fungo botrytis cinerea, fenômeno que dá origem a podridão nobre).

Esse cesto deve conter uvas selecionadas bago a bago em suas melhores condições, e os seus vinhos devem conter um açúcar residual mínimo de 120 g/l. Cada puttonyo equivale a cerca de 25 quilos de mosto cru, que será adicionado ao vinho branco fresco (vinho base) dessas mesmas uvas, para rápida maceração, prensagem, fermentação e maturação em barris, por tempos e formatos variados, buscando ganhar mais complexidade. A quantidade de puttonyos atualmente praticada é de 3 a 6 puttonyos, que vem indicada no rótulo – quanto maior, mais doce, nobre e caro.

Vinho Tokaji (foto de Míriam Aguiar)

Há ainda o Tokaji Eszencia, produzido em anos excepcionais só com o mosto doce fermentado, sem diluição em vinho fresco. Seu líquido viscoso é amadurecido por longos anos em garrafões de vidros, onde sofrerá uma lentíssima fermentação,  Os vinhos são feitos em mínimas quantidades e têm baixa graduação alcoólica (em torno de 5%), preservando o açúcar residual de, no mínimo, 450g/l.

Conversando com o diretor de uma das vinícolas do stand da Hungria na feira, ele me disse que o rótulo Tokaji campeão de vendas é o Tokaji Szamorodni, porque, em sua opinião, ele apresenta a melhor relação preço/qualidade. Os vinhos Aszù, com indicação dos puttonyos, dependem muito das condições de cada safra e nem sempre são produzidos, o que acaba elevando o seu valor. Já neste vinho, eles podem trabalhar com cachos mais irregulares, em parte com botrytis, em parte não, e todo o mosto será vinificado junto, apresentando um bom equilíbrio também entre dulçor e frescor, que acaba agradando o mercado, além do valor mais acessível.

Nessa feira, a moeda era o franco suíço, e enquanto o Tokaji Szamorodni saía a 30 francos, o Tokaji Puttonyos mais simples começava a partir de 50 francos e chegava a 200 francos (isso numa feira de vinhos na Europa, cujos preços são mais caros do que a média europeia, mas inferiores aos do Brasil). Importante mencionar que valores também podem variar muito em função do produtor.

A região de produção do Tokaji se chama Tokaj-Hegyalja e fica no extremo noroeste da Hungria, nas encostas dos montes Zemplen, junto aos rios Bodrog e Tisza, que ajudam a formar o microclima, especialmente propício ao fenômeno da podridão nobre.

Seguiremos com a cobertura dos destaques da vitivinicultura da Europa Oriental.

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