A visão corrente de que ‘vinho branco combina com peixe’ vem dessa relação entre pesos equivalentes, mas não pode ser generalizada.

Vinho é a bebida por excelência de acompanhamento às ceias e, mesmo em famílias que não bebem vinho correntemente, ele costuma aparecer nessas datas. Embora pouco praticada, a harmonização pode abrilhantar as ceias de fim de ano. Então, seja para agora ou para depois, seguem aqui algumas orientações para se pensar nessa compatibilidade de sabores.

Para falar de harmonização entre pratos e vinhos, devemos trabalhar com a ideia de EQUIVALÊNCIA e EQUILÍBRIO, por muitos denominados SEMELHANÇA e CONTRASTE, respectivamente. Prefiro os primeiros termos, porque nem sempre acontece uma similaridade e sim um nivelamento de valores – entre as estruturas e intensidades aromáticas e gustativas dos vinhos e das comidas. Por isso, o termo equivalência. É possível também um ajuste de algumas características, nem sempre contrastantes, mas diferentes, que podem compor um conjunto mais harmonioso, se equilibradas. Por isso o termo equilíbrio. Vou explicar isso melhor!

Se o principal objetivo de uma harmonização é tornar a experiência de comer e beber mais rica, eu não posso ofuscar nem a presença da comida nem a da bebida e para isso eu tenho que tentar colocar em sintonia alguns elementos de um e de outro, de modo que ambos tenham relevância no ato gastronômico. Se eu tiver um mais evidente, eu diminuo o outro. Assim, a primeira regra é considerar o corpo ou o peso do vinho e o da comida. Se eu beber um vinho muito forte com um prato muito leve, eu não vou perceber a comida e vice-versa – se eu comer um prato muito forte com um vinho levinho, ele passará imperceptível.

E o que dá peso ao vinho e à comida? No primeiro caso, começamos pela própria cor do vinho – vinhos tintos tendem a ser mais fortes do que vinhos rosados, que tendem a ser mais fortes do que vinhos brancos, seguidos de espumantes. Mas isso não basta e pode nos enganar – a graduação alcoólica, o tipo de uva, a tanicidade ou sucrosidade do vinho são elementos que dão mais estrutura ao vinho, podendo levar um branco a ter mais peso do que um vinho tinto, por exemplo. Então, após considerar o tipo de vinho, devemos cruzar ainda elementos como tipo de uva, graduação alcoólica, método de elaboração. Algumas informações podem ser facilmente encontradas pela busca da ficha técnica do vinho na internet.

No caso da comida, são os ingredientes que determinam seu corpo + a forma de elaboração do prato + condimentos e preparações agregadas. Assim, quando eu falo em carne de porco, pode me vir algo pesado à cabeça, como um leitão à pururuca, por exemplo, mas às vezes o prato em questão é um lombinho assado, que pode ser muito semelhante a uma carne branca magra, como um filé de frango. É o caso também das massas, que dependem dos molhos para dar as direções dos pratos. Então, assim como no vinho, a princípio carnes brancas são mais leves do que carnes vermelhas, mas isso deve ser cruzado com o modo de cocção, bem como com os temperos e molhos que serão agregados aos pratos.

A visão corrente de que “vinho branco combina com peixe” vem dessa relação entre pesos equivalentes, mas não pode ser generalizada. Um sashimi – peixe cru delicado – fica muito bom com um espumante, bebida também leve e fresca; já uma moqueca baiana, caprichada no dendê, pode até ter um vinho branco como acompanhamento, mas certamente este precisará de certa densidade, que poderá ser conferida pelo tipo de uva, pela passagem em madeira ou pela potência alcoólica. Outra equivalência interessante pode ocorrer se alinharmos o perfil aromático do vinho com temperos e molhos do prato, como entre um Sauvignon Blanc fresco e perfumado e o manjericão de uma salada caprese ou, ainda, entre as notas picantes de um vinho da Syrah e um steak au poivre.

E como pode funcionar o EQUILÍBRIO ou ajuste entre perspectivas distintas? Eles podem ser inspirados por manobras que fazemos na cozinha do dia a dia. Veja, por exemplo, que equilibramos a acidez do limão com o doce do açúcar para fazer a limonada, que colocamos sal na manga verde para torná-la menos ácida ou ressaltamos os temperos de um peixe grelhado com algumas gotas de limão. Às vezes o equilíbrio é fundamental para tornar algo consumível, às vezes é apenas um recurso para melhorá-lo.

Acontece o mesmo entre vinho e comida. Um vinho tinto de uva tânica, encorpado, se consumido muito jovem pode ser simplesmente “imbebível”; no entanto, uma paleta de cordeiro fibrosa e gordurosa pode se beneficiar da aspereza desses taninos para ficar mais palatável. Os dois ganham. Do mesmo modo, uma posta de bacalhau assada pode se beneficiar não apenas do azeite, mas da untuosidade frutada de um Chardonnay mais encorpado com leve passagem por barrica.

Bem, isso é só o começo de uma sintonia que pode ter várias nuances, sobre as quais volto a falar oportunamente. Por ora, vou citar algumas parcerias possíveis para os tradicionais pratos presentes em ceias de fim de ano.

Pernil de porco: tinto de médio corpo, com boa acidez e taninos finos (Merlot, Tempranillo, Chianti Classico)

Peru assado com farofa: tinto mais delicado ou um branco de mais volume (Pinot Noir, Cabernet Franc do Loire, Viognier)

Leitão à pururuca: prato gordo com tinto tânico e encorpado (Tannat, tinto da Bairrada, tinto da Rioja, espumante tinto)

Lentilha com linguiça calabresa: notas terrosas com defumação pedindo estrutura e acidez (Cru Beaujolais, Pinot Noir do Novo Mundo, Riesling)

Rabanada: álcool para enxugar cremosidade, gordura, e dulçor para alcançar açúcar e canela (Vin Santo Toscana, Moscatel de Setúbal).

Para saber mais sobre grupos de estudos sobre vinhos e turmas abertas da Cafa Wine School no Brasil, visite site miriamaguiar.com.br / instagram: @miriamaguiar.vinhos

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