Local tem forte contribuição para o renascimento do vinho italiano na década de 1980.

Dando continuidade à abordagem da vitivinicultura da Itália Central – que foi interrompida para a publicação de dois artigos sobre vinhos brancos e rosados – vou tratar agora de outras áreas da Toscana, que em si só abriga distintos e consagrados vinhos. A Toscana se divide em duas amplas áreas geográficas: a zona costeira do Mar Tirreno, que se estende da província de Livorno até o limite regional com o Lazio, e as colinas centrais da Florença e Siena, nas quais se encontram os Chiantis, já abordados. Apresento agora o restante dessa área central da Toscana, priorizando os vinhos que mais chegam ao mercado brasileiro.

As colinas centrais têm forte contribuição para o renascimento do vinho italiano na década de 1980, quando várias reformas buscaram valorizar as qualidades dos produtos, em termos de tecnologia e inovações enológicas, bem como de regulamentações. Além do Chianti, que ocupa o centro desta sub-região, temos mais ao norte, acima de Florença, a pequena DOCG Carmignano, já apontada como zona de vinhos de qualidade desde o século XVIII e que tinha por tradição combinar Cabernet Sauvignon com Sangiovese, antes que isso se tornasse uma prática comum e ambiciosa, como atualmente. Com solos argilocalcários e pedregosos, seus declives voltados para o sul garantem boa exposição solar aos vinhedos, favorecendo a produção de tintos potentes com bom potencial de guarda.

A sudoeste de Florença, temos a DOCG Vernaccia di San Gimignano, talvez a mais antiga produção de brancos de qualidade na Itália. San Gimignano é uma cidade medieval cravada em região montanhosa, ao redor da qual se encontram os vinhedos da uva branca Vernaccia. Seus vinhos, que eram, em geral, simples, leves e secos, têm ganhado versões mais sofisticadas e estão divididos em três categorias: Annata, Selezione e Riserva. A primeira é a mais comum e a segunda pode indicar um vinhedo melhor, um corte especial, contato com as cascas ou fermentação/estágio em madeira. A terceira categoria, os Riserva, têm que obrigatoriamente envelhecer por um ano em carvalho. Os melhores ganham reflexos dourados com a idade, desenvolvendo aromas de amêndoas e frutos secos, acidez vibrante, textura cremosa e consistente, com notas salinas em boca e leve amargor final.

Mais a sul, depois de Siena e logo abaixo da última região demarcada para os Chiantis, temos a mais consagrada produção da Toscana, a DOCG Brunello di Montalcino. Como é muito usual na Itália, as denominações tendem a levar o nome da uva associado às comunas em que se encontram. Assim, o vinho Brunello é feito da uva Sangiovese Grosso, localmente chamada de Brunello, e produzida no entorno da cidade de Montalcino. O clone da Sangiovese foi selecionado e aprimorado pelo viticultor Ferruccio Biondi Santi no século XIX para gerar vinhos encorpados de guarda prolongada. Assim nasceu o Brunello e a vinícola Biondi Santi, da família Santi, era a única a produzir Brunellos di Montalcino até a década de 1960, quando a área de cultivo foi ampliada, reformada e explorada por novos investimentos. Mesmo assim, este segue sendo um Brunello di Montalcino extraordinário.

O Brunello di Montalcino deve resultar de 100% de Sangiovese para obtenção da classificação DOCG. A região permite um amadurecimento longo e otimizado da cepa e, implícito às regras para elaboração do vinho, está a exigência de um tempo mínimo de cinco anos de maturação na vinícola, dois dos quais em carvalho. Como resultado, temos um vinho de bouquet e sabores intensos e complexos, dentre os quais a cereja negra, ameixa e especiarias. Dependendo do produtor, os preços dos Brunellos podem ser muito “salgados” e aí há de se considerar a hipótese de beber o seu irmão mais jovem: o Rosso di Montalcino, cujos vinhos se originam dos mesmos vinhedos, são 100% Sangiovese Grosso, mas com menor restrição a rendimentos e menor tempo de passagem por carvalho e pré-maturação.

Ainda abaixo de Montalcino, indo mais a leste, próximo à fronteira com a Umbria, temos a DOCG Vino Nobile di Montepulciano, de vinhedos próximos da cidade de Montepulciano – nome que gera confusão, já que corresponde ao nome de uma cepa que dá origem a muitos vinhos da região Central da Itália (DOCs Abruzzo, Marche, Molise), mas não na Toscana. O Vino Nobile di Montepulciano é feito com cortes de uvas, nos quais predominam a Sangiovese, chamada localmente de Prugnolo, plantadas em colinas da região montanhosa de Montepulciano. São vinhos encorpados, de aromas e sabores intensos. Nas vinificações podem ser usadas também a Cabernet Sauvignon e a Canaiolo Nero. Na região, faz-se também um segundo vinho menos potente e de preço mais acessível, que é o Rosso di Montepulciano, seguindo o modelo do Rosso di Montalcino.

As uvas brancas Trebbiano e Malvasia também são permitidas para elaboração de vinhos doces em Montepulciano e em outras áreas da Toscana. São elas as mais utilizadas para dar origem ao famoso licoroso Vin Santo, largamente comercializado junto ao mercado turístico toscano, acompanhado de biscoitos duros, chamados de Cantucci, que devem ser embebidos no Vin Santo. Existem mais de 10 DOCs dedicadas a este vinho e boa parte delas se encontra na Toscana. Ele é feito de uvas secas (passito) e prensadas após a colheita e seu mosto fermenta lentamente em pequenos barris de madeira, chamados Caratelli, por período mínimo de três anos. Em função dessa lenta oxidação, ele ganha uma tonalidade âmbar. Há um Vin Santo feito da Sangiovese, de cor rosé, chamado de Occhio di Pernice.

No próximo artigo, sigo com a Toscana, em sua porção costeira.

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