Vinícolas recentes fazem um belo trabalho de revitalização produtiva
A área de vinhedos da DOC Etna foi reconhecida na Itália em 1968. Apesar da produção milenar, é uma área pequena, que foi revitalizada recentemente, com grande foco qualitativo. Os elementos fundantes do terroir estão lá e produtores, como os citados abaixo, por meio de um trabalho sério já obtêm resultados muito expressivos.
A área dos vinhedos forma um semicírculo em torno do vulcão, como uma lua crescente, onde se encontram 20 vilas da província Catania. Cada vila desta compreende várias contradas, que são subáreas de produção, com históricos produtivos distintos. Trata-se de uma divisão geográfica do território, baseada em características pedoclimáticas (união de solo e clima) particulares, que as orientam para um tipo de cultura agrícola a ser praticada. Funcionam como microclimas aos quais foram sendo associadas certas variedades de uvas e práticas culturais, que, por sua vez, fundam vinhos particulares. O solo é vulcânico, mas apresenta diferentes graus de degradação e granulometria: areia, cascalho, pó ou rocha.
São, ao todo, 133 contradas, que ganharam em 2011 o status de Menzioni Geografiche Aggiuntive (MGA), aprovado pelo consórcio Etna DOC, podendo levar, assim, suas menções nos rótulos dos vinhos dali oriundos. As partes Norte e Sul da Etna DOC são particularmente impactadas pela altitude, configurando um perfil mais continental de clima. É ideal para a cepa Nerello Mascalese, uma joia local, mas que enfrenta dificuldades na condução dos vinhedos, plantados em terraços apoiados por paredes construídas em pedras vulcânicas.
O método de plantio tradicional é chamado localmente de Alberello, similar ao que se chama de “vaso” na Espanha, “gobelet” na França, em que as vinhas assumem formatos de pequenos arbustos, apoiados por estacas, mais baixos, plantadas de forma a favorecer o enraizamento profundo para aquisição de nutrientes. No caso do Alberello do Etna, ele conserva um alinhamento irregular adaptado à topografia do entorno vulcânico.
Visitei três vinícolas localizadas a Norte da DOC Etna. A Cantina Tornartore é fruto de uma fazenda centenária, fundada em 1865 por Giuseppe Tornatore. Hoje é administrada pela família do bisneto, que possui cerca de 100 has de terras plantadas com vinhedos (70has Etna DOC), olivais e pomares de avelãs. Encontram-se na Contrada Piano Fiera, mas possuem vinhedos em muitas contradas, todos no município de Castiglione di Sicilia. Trabalham só com vinhos Etna DOC, com exceção de um espumante método charmat, que assina IGT Sicília. Principais uvas plantadas são Carricante e Nerello Mascalese, complementadas por Catarratto e Nerello Cappuccio, predominantes em toda a região,
Bem próximo dali, se encontram mais duas vinícolas visitadas. A respeitada Tenuta delle Terre Nere, propriedade do produtor Marco de Grazia desde 2002, já conhecido pelo trabalho em outras áreas italianas, como Toscana e Piemonte. Um entusiasta da Etna DOC, Marco a define como “a Borgonha do Mediterrâneo”. A vinícola me proporcionou uma experiência bem completa, com visita aos vinhedos e prova de muitos rótulos. O ponto alto são seus Nerellos Mascalese, trabalhados com excelência e que expressam diferentes parcelas das várias contradas.
Palmento Constanzo é um empreendimento mais recente (2010) de uma família siciliana em seu primeiro negócio de vinhos, a partir da compra de alguns hectares entre Passopisciaro e Santa Maria di Licodia e da restauração de um antigo palmento, construído em pedra lávica. Palmento é o nome que dá, na Sicília, a uma antiga sala de vinificação, localizada junto aos vinhedos, com um sistema multinível para prensa das uvas e outras etapas da produção. A vinícola integra os elementos antigos a instalações modernas, muito bem equipadas. Fui recebida pela proprietária, Valeria Agosta, que conta com o apoio da filha, Serena, estudante de Enologia na Borgonha. Apesar da juventude do projeto, apresentam um belo conjunto de vinhos brancos e tintos. Sem tirar o mérito dos tintos, os brancos da vinícola me impressionaram pelo trabalho diferenciado, que redimensiona a típica mineralidade das cepas nativas.
Já a centro-leste do Etna DOC, perto da comuna de Milo, visitei a I Vigneri, propriedade do Salvo Foti, enólogo, pesquisador, natural da Catania, consultor de vários projetos viticolas locais. Lá tive a sorte de ser presenteada, pelo próprio, com uma de suas obras: Etna: the wines of the volcano. Milo é a única região autorizada a fazer o vinho DOC Etna Superiore, pois é considerado o melhor terroir para a produção de Carricante, cepa exclusiva da denominação.
A I Vigneri também resulta da compra de uma propriedade muito antiga com seu palmento. Adquirida em 2000, seus vinhedos estão a 800m de altitude e ainda preservam a estrutura tradicional e rústica de elaboracao dos vinhos, tanto em suas instalações, quanto no conceito de produção. Além da gama tradicional da Etna DOC, eles trabalham com outras cepas, como uma exclusiva garnacha centenária, plantada a mais de 1000m de altitude ou ainda o corte Primavera, feito das seguintes uvas em coplantação: Chenin Blanc, Gewurztraminer, Pinot Blanc, Riesling, Savagnin e Carricante.
Tenuta delle Terre Nere e I Vigneri são importadas no Brasil pela Mistral e Cellar, respectivamente. O Etna DOC me deixou saudades!!!