A união de solo, topografia e uvas autóctones ajusta a condição climática extrema
O mundo do vinho é realmente surpreendente. Quando você acha que o conhece suficientemente, muitas surpresas mostram que ele não se esgota, e tudo é parte diminuta de um universo muito rico em história, cultura, geografia, geologia, modos de fazer e de viver que cada garrafa traz consigo. De fato, uma janela para a diversidade da cultura e para o prazer.
Para mim, a paixão pelo tema do vinho passa especialmente pela capacidade dessa bebida de exprimir concretamente o quanto os entrelaces entre natureza e cultura são essencialmente diversos, a despeito dos movimentos homogeneizadores. Assim, tenho preferência por visitar lugares que preservam a sua identidade, em vez de repetir fórmulas de sucesso que são economicamente tentadoras. Ao escolher os destinos a serem visitados no sul da Itália, dei preferência para regiões que conseguissem unir diversidade e qualidade. Superaram as minhas expectativas!
Quando se fala em sul da Itália, há certa desconfiança inerente a essa escolha, pelo fato de existirem regiões mais ao norte e no centro do país que são muito consagradas e que orientam as escolhas de quem busca por vinho italiano de qualidade. Barolos, Brunellos e Amarones estão na lista de preferência absoluta dos apreciadores de vinhos italianos. A produção do sul da Itália é comumente associada a vinhos de volume. E, de certo modo, isso ocorre, com a ressalva de que renovações expressivas foram realizadas em suas produções, elevando o nível médio de qualidade. Por outro lado, em função do clima mais quente e da própria preferência do consumidor contemporâneo por vinhos tintos encorpados e redondos (com alto nível de açúcar residual), muitos produtos dessas origens chegam ao mercado mundial apresentando esse perfil.
O que mais me surpreendeu em minhas visitas pela Campania e Sicília foi encontrar perfis de vinhos que vão, em parte, na contramão desse modelo. Começando pela Sicília, como já mencionei, escolhi visitar a região do Monte Etna, onde se produzem os vinhos Etna DOC. Apesar de a Sicília estar no extremo sul da Itália e contar com temperaturas altíssimas no verão — calor intensificado em algumas áreas pelo vento quente Sirocco, que sopra da África do Norte —, quase dois terços da topografia da Sicília é composta por colinas. Muitos vinhedos são plantados nessas áreas mais altas, o que contrabalança o clima quente, especialmente no período noturno. Os vinhedos se beneficiam dessa amplitude térmica no entorno do Etna (onde a altitude pode ser superior a 1000 metros) e alguns também são impactados pela proximidade marítima, que favorece a manutenção de boa acidez e traz frescor aos vinhos.
Outro ponto alto da qualidade são as suas uvas nativas; algumas delas contrariam a tendência natural de valorizar o álcool em climas muito quentes, já que seus estágios de maturação são longos. Enquanto boa parte das uvas que estão ao norte da Itália e da Europa são colhidas entre o fim de agosto e meados de setembro, mesmo com o aquecimento global, as uvas Carricante e Nerello Mascalese (principais cepas dos vinhos Etna DOC branco e Etna DOC tinto, respectivamente) são colhidas a partir do fim de setembro, muitas vezes em outubro. Assim, em média, os vinhos brancos dessa área têm graduação alcoólica de 12,5%, e os tintos podem chegar a 14,5%, mas com uma acidez que lhes confere um perfil muito elegante.
Outra grata contradição da Sicília é que é uma terra de mais vinhos brancos (60%) do que tintos, o que não é muito comum em climas mediterrâneos. Isso se explica, em parte, pelo fortificado Marsala ser produzido por cepas brancas, mas os vinhos brancos podem e valem a pena ser degustados em suas versões varietais. Algumas dessas uvas aportam boa aromaticidade, excelente equilíbrio entre álcool e acidez e traços minerais na degustação.
Mineralidade: este é um ponto alto nos vinhos do Etna, por mais controversa que seja a discussão a respeito da condição mineral de um vinho e a sua correlação com o solo. Os vinhos do Etna são nitidamente marcados por notas defumadas e salinas em aroma e sabor, e isso lhes confere uma marcante e intrigante personalidade. Predominam solos essencialmente vulcânicos, bem escuros, com segmentos pedregosos e arenosos, que garantem ótima drenagem. O perfil do solo também parece ser uma das justificativas para a existência de muitos vinhedos centenários pré-filoxera, que assinam os vinhos mais raros. A média de preço é alta e se justifica pela qualidade dos vinhos, bem como pelas restrições produtivas da própria DOC. São vinhos de terroir! No próximo artigo desta série, falo sobre as visitas às vinícolas do Etna.