Vinhos da Sicília e da Campânia apresentam perfis bem singulares
Depois de já ter explorado as principais regiões vitivinícolas do norte e centro da Itália, vim conhecer uma parte do sul do país, especialmente a área do Etna, na Sicília, bem como a região da Campânia, que inclui áreas próximas da baía de Nápoles (Vesúvio e Campi Flegrei) e, mais ao interior, próximos da comuna de Avellino. São regiões muito impactadas pela presença de vulcões, verdadeiras entidades que se erguem no horizonte e adornam a paisagem local, funcionando como atrativos turísticos, mas que, em certos períodos, podem provocar pânico e destruição.
Do mesmo modo, em relação à produção vitivinícola, o vulcanismo imprime seus traços na geologia e no clima do entorno, podendo gerar resultados muito particulares na textura e no paladar dos vinhos. Sua atividade pode também ser uma ameaça para a condução dos vinhedos e até mesmo para a continuidade produtiva. Não por acaso, escolhi esse roteiro, que me colocou em contato com a realidade dessas “vidas vulcânicas” e me deu a oportunidade de conhecer vinhos não apenas de excelente qualidade, mas de muita personalidade.
Cheguei por Roma, onde já estive há muitos anos, e a minha percepção continua sendo de que a cidade parece fazer a transição entre as metades norte e sul da Itália. O sul tem mais problemas econômicos, o cotidiano mostra uma precariedade social mais evidente e as grandes cidades são menos organizadas. O que não as torna menos atraentes, pois há farta beleza natural, histórica e cultural.
Massa, pizza, vespa, cappuccino e vinho estão em todos os lugares e parecem cristalizar uma identidade nacional, assim como a analogia entre os contornos geográficos da Itália e a imagem de uma bota nos dá a impressão de que eles são partes de uma mesma unidade. Mas a Itália é mais distinta do que pode parecer, pois sua unificação se deu muito tardiamente (1861). Antes de tudo, há os toscanos, venezianos, romanos, sardos, sicilianos, napolitanos etc. Muito antes ainda, o tecido de que se constituiu cada uma dessas identidades.
Visitar os produtores de cada área e escutar a história da formação de seus territórios e propriedades é entender um pouco do quanto pode significar uma guerra, as migrações, uma epidemia, a erupção de um vulcão e a emergência, em outra geração, de um vinho abençoado por um território um dia destruído.
De Roma, eu tinha um voo para a cidade de Catânia, cidade portuária importante no sopé do Monte Etna, a nordeste da ilha da Sicília. Meu voo foi desviado para a cidade de Comiso, a cerca de 1h30 de Catânia, porque havia muita cinza vulcânica no solo, proveniente da atividade do Etna, e todos os voos dali foram cancelados. Felizmente, a companhia fretou um ônibus de Comiso a Catânia para complementar a viagem.
A Sicília é uma terra muito antiga de produção de vinhos, introduzida pelos gregos, que chegaram ali no século 8 a.C. É um grande produtor: possui a maior área de vinhedos do país, em torno de 100 mil hectares, e cerca de 12% da produção do vinho italiano. As principais áreas vitivinícolas estão a nordeste (Faro e Etna), sudeste (Eloro e Vittoria) e oeste (Marsala). Há uma grande produção regional que assina como IGT, desde vinhos de grande volume a notáveis DOC. De Catânia, fui para Nápoles, para conhecer essa importante metrópole italiana, na região da Campânia. Muitas uvas autóctones e vinhos impactados pela mineralidade vulcânica. Históricos de produção às vezes interrompidos por abalos sísmicos. Rebentos vulcânicos que orgulham seus produtores. Tratarei do tema em detalhe nos próximos artigos.