Versatilidade estilística, do simples ao exuberante.
Para celebrar a publicação do centésimo artigo da minha coluna no Monitor Mercantil, vou falar de vinhos brancos, dos quais sou grande entusiasta e, mais particularmente, de uma cepa que me agrada muito, embora ainda pouco difundida mundialmente. Afinal, calor e carnaval combinam com vinhos brancos!
Para falar dela, uso como fio condutor a sua região de origem, território onde ela tem boa presença e dá vida a distintos produtos. A região é o Vale do Loire, na França, e a cepa é a Chenin Blanc, originalmente chamada de Pineau do Loire. O Vale do Loire é muito conhecido pelos seus vinhos brancos, embora tenha uma variação significativa de perfis de vinhos: tintos, brancos, espumantes, rosés e de sobremesa.
Naturalmente, por estar numa faixa mais setentrional da França, com clima tendencialmente mais frio, exceto no verão, a região favorece o trabalho com uvas brancas ou tintas mais leves. A Cabernet Franc é a tinta mais consagrada na região e, embora ela também esteja presente em regiões mais quentes, como Bordeaux, funciona em regiões de clima mais fresco, onde resulta em um tinto de perfil mais leve e elegante.
Quanto aos brancos, o segmento é bem variado, e a Chenin é uma das três principais cepas do Loire, onde há uma predominância de brancos de distintas uvas em suas sub-regiões: Muscadet (Melon de Bourgogne) na área mais a oeste, próxima do Oceano Atlântico; Chenin Blanc, em grande área central, nas sub-regiões de Anjou, Saumur e parte de Touraine; Sauvignon Blanc, mais a leste do Vale do Loire, incluindo Touraine e o Centro-Loire. Isso porque o Vale do Loire é bem horizontalizado, varia pouco em latitude e mais em longitude – indo da fronteira atlântica a leste ao centro-norte da França.
A escolha desses posicionamentos vitícolas predominantes tem fundamentos históricos, culturais, mas também geoclimáticos. A Chenin Blanc é uma uva que brota cedo e é mais arriscado inseri-la em porções muito continentais, como o Cento-Loire, onde os invernos são mais rigorosos e o risco do vinhedo ser atingido pelas geadas da primavera é alto. Por outro lado, a Chenin Blanc amadurece tardiamente e de forma irregular, o que tornaria o seu cultivo difícil na proximidade marítima. Talvez esse seu perfil vegetativo particular seja uma das chaves para explicar uma presença mundial ainda tímida, com exceção da África do Sul, maior vinhedo mundial da Chenin Blanc.
Digo isso também porque em se tratando da qualidade que ela pode alcançar e da sua versatilidade, há motivos de sobra para termos mais rótulos de Chenin por aí. Mas as castas não são tão previsíveis assim, são frutos de seus territórios e da forma pela qual são trabalhadas por seus produtores.
Estive, em meados de 2022, em parte dos melhores terroirs franceses da Chenin Blanc, entre Anjou e Touraine. Experimentei muitos rótulos e pude assisti-la crescendo num verão tórrido, em meio a certa preocupação dos produtores, porque o amadurecimento deve ser longo, mas amenizado com chuvas, a fim de equilibrar vigor e concentração, especialmente quando o objetivo é criar suas joias raras.
A Chenin Blanc não é uma cepa tão aromática quanto a Sauvignon Blanc, a sua característica mais evidente é a alta acidez, o que a torna muito interessante para a produção de espumantes, quando colhida cedo. Mas isso é só o começo, pois ela produz vinhos frescos e leves, mas também pode fazer vinhos secos mais encorpados e até vinhos doces com uvas botritizadas, já que ela desenvolve a podridão nobre em certas áreas, como na Denominação de Origem Coteaux du Layon.
Para espumantes, pode compor o corte de vinhos simples, do método Charmat, produzidos em alta escala, mas também pode ser a única cepa de ricos Crémants du Loire (método tradicional). Em Saumur, faz muitos vinhos espumantes, nos dois estilos.
Dentre as AOCs mais consagradas pelos vinhos da Chenin estão Vouvray e Savennières. Ali, solo, clima e posicionamento dos vinhedos favorecem a exuberância da cepa. Vouvray fica a leste da cidade de Tours e apresenta solos argilo-calcários, com substrato de tuffeau,
um calcário mais poroso, que favorece a boa drenagem e confere finesse aos vinhos. Faz-se ali ainda, espumantes, vinhos secos, meio secos e doces, perfumados e de sabor amplo (notas de acácia, cítricos, pera), todos da Chenin.
Savennières fica mais próximo da cidade de Angers, onde o clima é relativamente mais quente e seco, com boa exposição e presença de solos arenosos, com áreas de xisto. Os vinhos de Chenin Blanc apresentam um perfil mais encorpado, podendo ser bem seco, com notais minerais e às vezes trabalhado na madeira, com destacada complexidade.
No próximo artigo, falarei da Chenin Blanc fora do Vale do Loire, com dicas de rótulos para degustação.
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