Solo granítico, paisagens mais onduladas, vinhos de novas cepas e o charmoso balneário de Punta del Este.
Hoje apresento os mais recentes investimentos e percursos da vitivinicultura uruguaia. Como eu dizia no último artigo, na virada do século 20 para o 21, a região empreendeu esforços no sentido de reformar a sua produção, visando um nivelamento do padrão de qualidade internacional, com um foco bem preciso de especialização na variedade Tannat.
A partir dos anos 2000 começaram a surgir novas bodegas, ora pioneiras, ora assumindo vinhedos antigos com novas orientações, com o objetivo inicial de fazer seus bons Tannats, mas também de abrir novas fronteiras para o vinho uruguaio. Sem dúvida, a Tannat é o vinho que representa o país, campeão de vendas procurado por quaisquer consumidores que queiram explorar o vinho uruguaio. Entretanto, ficar no mesmo lugar talvez não seja suficiente para atender às necessidades de expansão do mercado de vinhos, tendo em vista um consumidor ávido por novas experiências.
Isso também tem a ver com novas gerações de produtores, pois a enologia avança muito, e, com o suporte científico, pode-se ampliar a diversificação da vitivinicultura, explorando novas regiões, com microclimas distintos, aptos para a experimentação de novas possibilidades. Aquilo que países europeus fizeram ao longo dos séculos, sem muito suporte científico e tecnológico, pode hoje ser inaugurado em décadas, não do mesmo modo, mas com bons resultados.
Assim, novos produtores se estabeleceram em áreas ainda pouco exploradas, mas com boas promessas de produção não apenas para a Tannat, mas para outras cepas. A vitivinicultura do Uruguai continua ainda bem concentrada na parte sul do País, mas começou a se orientar para o leste, tendo como centros do entorno não apenas Montevidéu, mas agora também Punta del Este. À medida que seguimos em direção a Punta, a cada momento, surge uma nova bodega, algumas ainda próximas a Montevidéu, outras em Maldonado, a cerca de 2 horas de carro de Canelones, onde se destacam os solos ricos em rochas de granito erodido.
Novas vinícolas surgiram também nas áreas tradicionais, e mesmo as clássicas bodegas começaram a comprar vinhedos nessa região. Alguns exemplos são ilustrativos, como o da Bodega Bouza, uma propriedade bem próxima a Montevidéu, em Melilla, que data de 1942, mas foi adquirida em 2002 por Juan Bouza, que fez um belo trabalho de reforma em suas instalações e de foco em vinhos de qualidade.
Um estilo moderno muito consistente, logo prestigiado pelo público. Seus Tannats fizeram a boa fama, mas ela já começou a inovar desde cedo, com o lançamento de vinhos como o da cepa branca Albariño, que se tornou a branca emblemática do país. Hoje, adquiriu vinhedos em outras localizações também, como em Pan de Azúcar, do Departamento de Maldonado.
Saindo de Montevidéu, a caminho de Punta del Este, encontramos outra bodega em Atlántida, a Bracco Bosca. Pertencente a uma família de viticultores de outras gerações e de raiz piemontesa. Eles trabalhavam mais como fornecedores de uvas a outras propriedades e, em 2005, sob a direção de Fabiana Bracco, começaram a produzir seus próprios vinhos com a linha Ombú, nome de uma antiga árvore plantada na vinícola, que inspirou essa nova fase de produção.
A proposta é de fazer um vinho que projete essa identidade ítalo-uruguaia, gerida por mulheres de espírito livre, o que remete a um Uruguai que hoje mescla tradição e contemporaneidade. Os rótulos incluem, além da Tannat, um Moscatel seco, feito estilo blanc de noir, já que a variedade utilizada é tinta – eles descartam a casca para fazer o vinho branco. Mas o vinho ícone da casa é um varietal de Cabernet Franc, o Gran Ombú Cabernet Franc, rico e elegante exemplar da cepa.
Bem próximo a Punta del Este, já em Maldonado, encontramos vários projetos novos. A Bodega Alto de la Ballena foi um dos pioneiros. Fundada em 2001 pelo casal Álvaro Lorenzo e Paula Pível, a vinícola se localiza na Serra de la Ballena, a 15km da costa – contando com uma bela vista e paisagem. A proposta desde o início era buscar uma outra leitura do terroir uruguaio, explorando cepas mais apropriadas aos solos graníticos e à maior altitude média de seu posicionamento, além do perfil marítimo do clima.
Merlot é um varietal de sucesso, mas a vinícola se inspira também em certas semelhanças com o solo do Vale do Rhône francês, trabalhando com vinhos varietais da Syrah e da branca Viognier. Daí surgiu o vinho emblemático da vinícola, que mescla Tannat com um toque de Viognier, a exemplo do nobre Côte Rotie do Vale do Rhône norte, que usa a mesma cepa branca para trazer leveza ao vinho, feito majoritariamente da Syrah.
Em 2009, surgiu um dos mais destacados investimentos do complexo enoturístico mundial, o da Bodega Garzón, de propriedade do argentino Alejandro Bulgheroni. No coração de Maldonado, a 45 minutos de Punta del Este, as instalações da vinícola tiram o fôlego de qualquer visitante, com gastronomia internacional e uma gama de vinhos variada, que inclui desde as emblemáticas Albariño e Tannat, a Merlot, a Cabernet Sauvignon, a Marselan, a Petit Verdot, entre outras. O vinho ícone da bodega é um tinto de corte, que se chama Balasto, homenagem ao solo de rocha meteorizada, típico da região.
No próximo artigo, finalizo a série do Uruguai, apontando projetos ainda pouco conhecidos pelos brasileiros e uma seleção de vinhos degustados.