Os vinhos da Tannat são o emblema, mas produção cria alternativas.
Cheguei a escrever nesta coluna sobre rápida passagem pelo Uruguai em março de 2020, justo quando começaram os primeiros casos de Covid no país, e isso acabou encurtando o meu roteiro. Em setembro de 2022, retornei conduzindo um grupo de associados da Associação Brasileira de Sommeliers do Rio de Janeiro e, dessa vez, pude realizar um roteiro bem satisfatório, que reuniu visita a nove vinícolas bastante representativas do que se passa hoje na vitivinicultura uruguaia.
Visitas aos clássicos fundadores, como Bodegas Carrau e Familia Deicas-Establecimiento Juanicó; pequenas produções familiares que já se afirmaram no mercado, como a Pizzorno Wine Estates; o projeto relativamente recente da Bodega Bouza, focado em vinhos de alta gama; novas gerações que misturam inovação com produção artesanal, como Bracco Bosca, Alto de la Ballena; e, ainda, empreendimentos de porte internacional, como o da Bodega Garzon. Para finalizar, vinhos ainda pouco vistos por aqui, como os dos recém-estreados Cerro del Toro e Bodega Oceânica José Ignácio.
O roteiro ficou dividido, em parte, pela vitivinicultura próxima da capital Montevidéu, especialmente na região de Canelones, zona bem clássica da produção uruguaia e, em parte, nas imediações da costa leste, próximo da badalada cidade de Punta del Este, no Departamento de Maldonado, onde se desenvolvem projetos mais recentes. O Uruguai é um país muito pequeno para nossas proporções, o que nos dá a impressão de poder alcançá-lo em poucos dias, mas sempre há diferenças a considerar em relação à complexidade dos fatores que envolvem as produções de vinhos.
Para se esboçar um panorama do que ocorre ali atualmente, talvez seja interessante distinguir o que fundou a vitivinicultura uruguaia, a constituição de sua produção, levando em conta suas características e afinidades iniciais geográficas, culturais, político-econômicas com o mercado de vinhos – isso tudo levando ao perfil que cristaliza a primeira imagem de produtor de vinhos encorpados da cepa Tannat.
Já num segundo momento, falamos das produções regionais e nacionais de vinhos, como partes do contexto de um mercado que já é global. Há que se observar certas tendências mais universais, que se somam a iniciativas particulares, onde a afirmação de uma identidade cultural se mistura a uma necessidade de surpreender e entreter os novos consumidores. Desde que visitei o país pela primeira vez, a evolução é bem significativa, tendendo à diversificação. Os vinhos da Tannat são o emblema, mas estão cada vez mais acompanhados por vinhos de outras cepas e apresentando um perfil mais elegante.
O país se encontra dentro da latitude nobre da vitivinicultura, entre os paralelos 30º e 35º Sul, mas com a particularidade de ser rodeado por águas. A latitude favorece o bom amadurecimento das uvas, e a proximidade das águas tem um efeito moderador, no sentido de prolongar o amadurecimento das uvas. Por outro lado, traz sempre riscos de doenças fúngicas para os vinhedos. Sendo assim, é necessário trabalhar com cepas resistentes à umidade, e não é à toa que a Tannat foi escolhida, pois tem uma casca espessa e consegue sobreviver muito bem no país.
Os vinhos da Tannat são o emblema, mas estão cada vez mais acompanhados por vinhos de outras cepas e apresentando um perfil mais elegante. Além disso, os produtores estão muito cientes da necessidade de controlar o perfil muito produtivo da casta, que pode impactar negativamente a qualidade. A regra é privilegiar a qualidade, controlando o rendimento e aguardando a boa maturação dos taninos, resultando em Tannats menos adstringentes.
No próximo artigo, vou traçar de forma mais precisa essa divisão do que funda e dá sustentação a identidade cultural do vinho uruguaio e apontar elementos das tendências de diversificação, de que maneira eles se combinam e se reposicionam no porvir.